sexta-feira, 29 de março de 2013

casamento

Se existem duas coisas certas em relação a ter crianças é que, primeiro, elas vão te interromper e, segundo, elas vão te interromper muito e o tempo todo (eu disse duas coisas?). Seu sono, seu almoço, seu telefonema, o caso que você está contando, seus planos pro final de semana. Até quem não tem filho entende - basta já ter tentado conversar com uma mãe com criança pequena por perto: é tanta picotação de assunto que dá até vertigem. Melhor achar engraçado.

Por isso, depois de cinco anos de intensas interrupções, dos quais o último foi uma coisa de doido, me flagrei sentindo um negócio esquisito ao ficar mais tempo a sós com meu marido dia desses: medo.

Estávamos indo para BH para o casamento de um amigo. Ao descer do carro da minha mãe no aeroporto, vendo os rostinhos de choro de nossas crianças encostados no vidro, ao invés do costumeiro "ufa-a-gente-bem-que-merece-esse-descanso!", me peguei sentindo... medo.

E de quê, o medo? Era evidente: medo de perceber que a gente virou algo tão coletivo que não sobrou nada como casal. Medo de termos nos perdido e não saber nem mesmo onde. Interrompidos. Fatalmente  interrompidos.

Não foi um medo assim tão grande. Um medo tranquilo até, se é que isso existe. Mesmo do meio do nó, dava pra enxergar que era algo muito mais relacionado à minha tendência apolíptica com tudo que tem a ver com casamento do que com a nossa realidade.

De todo jeito, era um sentimento novo pra mim e me botou pra pensar.

Mas fui interrompida.

Dessa vez não pelas crianças. Mas por ele, esse moço bonito com quem estou casada há já um monte de anos.

Alheio ao meu turbilhãozinho interno, ele passou a mão na minha cintura e, sem mais nem menos, enquanto colocava a minha bolsa no raio-x, recomeçou uma conversa comigo de algo muito dele, duro, íntimo, difícil de falar. Assim, do nada, passou pelo ponto final, tascou um ponto e vírgula e ignorou qualquer hiato que existisse entre a gente. Só fomos parar de novo a conversa já dentro do táxi em Belo Horizonte.

Vi meu medo encolher de vergonha. Vergonha pelo raso que havia sido. Vergonha por ter se esquecido de algo bem básico que já tinha aprendido. Que a intimidade, as grandes intimidades, são peritas em construir pontes altas, altíssimas; as interrupções, ao menos essas que vêm de fora da gente, não as conseguem alcançar. E por elas o amor costuma atravessar, são e salvo.

Isso me lembrou o poema "casamento" da Adélia Prado, não por acaso lido no nosso casamento. Em um trecho ela fala sobre o "rio profundo" que atravessou a cozinha quando os cotovelos da esposa e do marido se tocaram ao limparem os peixes que ele trouxera da pescaria. Nas palavras sensíveis de Adélia, naquele instante voltaram a ser "noivo e noiva".

Pois ali, com essa conversa de "rio profundo", eu e ele havíamos nos reencontrado mais uma vez; "noiva e noiva" de novo.

Disto me veio uma coisa. O quanto a gente enaltece o "primeiro encontro", o "achar quem" do amor, e nem percebe os incontáveis reencontros depois de que uma história de amor vai ser necessariamente feita (falo em história; ensainhos de amor, ah, esses vão ficar sem reencontros mesmo).

E aí, como não percebemos, acabamos não investindo, não inventando, não aprendendo como fazer, não se colocando numa posição propícia a. Passivos, a maioria costuma ficar só na reza mesmo pra que aquela paixonite do início consiga tudo por si só.

Nada mais anti-casamento.

Não passou muito e já tínhamos chegado no casamento do Otávio e da Mariana. Um desses com start bonito, festa bacana e tal, mas que o que mais me emocionou mesmo foi a sensação que tive de que o casal ali sabe o que está fazendo. Que estão dispostos a responder sim um pro outro mais um milhão de vezes, a se resgatarem sempre que preciso, a protagonizarem outros tantos casamentos, dessa vez sem glamour e sem plateia, no silêncio de uma braço que alcança uma cintura, de uma conversa que só se pode ter com aquela pessoa, de cotovelos que se esbarraram durante o mais trivial do dia e te levam pra outro lugar.

Assim, sem muita interrupção.

17 comentários:

  1. Maravilhoso Bia! Me emocionei! Lindo lindo lindo. Beijos, Carol

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Proa "Casamento" de Bia pra poesia "Casamento" de Adélia Prado.
    "Coisas prateadas espocam.
    Somos noivo e noiva."
    "A protagonizarem outros tantos casamentos, sem glamour e sem platéia."
    É o que ficou guardado pra mim, minha Bia.
    De cá da platéia da vida, estou a espiar com amor, sabendo que vai sempre dar casamento, a noiva Bia e o noivo Patrick, com e sem glamour.

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    1. mari, qtas vezes eu, desconfiada das minhas certezas, peguei as suas pra não andar só. imagine a importância da coisa. tem dado certo... (;

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  4. Texto lindo, querida! Saudade de vocês!

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  5. Lindííííííííííssimo!!!!!!!!!!!!
    Que vários outros casamentos reavivem o seu casamento!
    Beijos,
    Cata.

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  6. Que perfeito Bela ... Os nossos medos em relação as nossas crias são para sempre, eles crescem e nossos medos ficam enormes (rs) . Que sempre haja momentos únicos para vivermos os momentos de reencontro,e emoção com quem escolhemos para amar e cuidar dos nossos medos. Amo você !

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  7. noossa morri de chorar!!!!! Tão oportuno!!!!! E já li o texto diversas vezes e sempre me emociono. Adoro vcs! e adoro o que vcs escrevem. bjs nas duas, Raquel Barbosa

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  8. Nossa Mariana...
    Que texto lindo.... fiquei super emocionada!

    Me deu uma super vontade de acompanhar seu blog.. Vou colocar nos favoritos...

    Beijo
    Lys

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    1. Lys, esse texto não é meu, embora eu o sinta um tanto quanto meu. Quem escreveu foi minha comadre Gabriela, que é minha parceira do blog. Digo que sinto o texto como meu porque a poesia citada no texto, da Adélia Prado, é uma das minhas poesias favoritas. E o texto é a prosa da poesia da Adélia Prado. Aliás, é um prazer dividir esse blog com a Gabriela, que é uma artista com palavras. Eu brinco que quando crescer quero ser igual a ela. O problema é que sou mais velha. kkkk
      Feliz demais por você ter nos dado o prazer de estar aqui no nosso cantinho. Bj

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  9. Lindo texto, Gabi.. ja to com a inscrição do fã clube :):)

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  10. Gabriela, esse texto veio pra mim em um momento tão importante e queria te agradecer muito por ter escrito ele um dia. Às vezes não sabemos o motivo de escrever uma história, uma sensação, uma vivência, mas pode ser que lá na frente atinja alguém, mesmo que uma pessoa só, mas já valeu, cumpriu o seu papel. Queria ter te aproveitado mais aí em Brasília. Sei que perdi algo.

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    1. Acredita que só fui ler esse comentário agora?? Mal vejo o dia de recuperar tudo isso! Bisou.

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