quarta-feira, 9 de julho de 2014

essa goleada teve nome: o nosso jurássico descaso com o psicológico

Pra mim, o que o jogo absurdo de ontem mais escancarou foi o quanto ainda não damos o devido valor para o que, pra mim (e a repetição é de propósito), é a verdadeira espinha dorsal de todo mundo: o emocional e suas implicações psicológicas.
Não é novidade. Se a gente olhar para a maioria dos pais e mães, a maioria das escolas, a maioria dos cursos de formação das mais diversas carreiras etc. e perguntar o quanto realmente se investe na formação/desenvolvimento/aprimoramento emocional dos indivíduos, a resposta honesta? Pouco, muito pouco.
Mesmo em relação às pessoas com mais grana, mais informação, mais acesso às coisas, o mais provável de se encontrar nos parquinhos das superquadras de Brasília são crianças impecáveis, com brinquedos impecáveis, acompanhadas de babás impecáveis, indo a médicos impecáveis e, cena plástica montada, um foco bem pálido na subjetividade em desenvolvimento dessas crianças - especialmente quando, para isso, o plástico tem que ceder, o que vai desde se permitir que a criança se suje mais até a mãe ou pai fazerem uma opção por menos trabalho (e menos dinheiro para os cenários, consequentemente).
Nas escolas, a mesma coisa. Se o preço para menos conteúdo - e uma vida com mais espaço para o criativo, o lúdico, o tempo ocioso - é menos competitividade, esqueça, a gente prefere que passem no vestibular e depois damos um jeito de pagar a conta do analista ou, mais comum hoje, do psiquiatra.
Carreiras? Eu tenho uma que diz diretamente com o equilíbrio emocional da pessoa. Na instituição hoje existe um aparato enorme para o curso de formação de ingresso e para cursos de atualização. Quase toda semana rola alguma coisa. Em 16 anos de casa, sabe quando vi alguma proposta que não tivesse a ver com leis e códigos etc., mas com as nossas emoções, reações, camadas de sentimentos e posições subjetivas que estão por baixo de toda atuação profissional? Praticamente nada. E isso que ultrapassou o nada simplesmente não teve a menor adesão por parte dos destinatários.
Psicologia, mesmo em pleno século XXI, ainda é coisa pra maluco. Os "bons" dão um jeito nos seus problemas sozinhos.
Fiquei muito cabreira quando vi os jogadores da seleção chorando antes dos pênaltis contra o Chile. Nada a ver com algum preconceito contra choro, muito menos choro de homem, mas aquele choro, naquele momento, deu notícias, pra mim (idem), sim, de a quantas andava o equilíbrio psicológico deles. Me chocou ver que a providência da equipe técnica foi pedir uma visita da psicóloga no dia seguinte para ter uma conversa com eles. Visita? Não existe então um psicólogo acompanhando a equipe direto? Massagistas devem ser uma dúzia. Ortopedistas, osteopatas, fisioterapeutas, cardiologistas, nutricionistas, mais algumas pencas. E não tem psicólogo? Uma conversa vai resolver alguma coisa ou esse era um trabalho que tinha que vir sendo feito há tanto tempo quanto qualquer outro treino tático, técnico etc. da seleção?
Me fazendo essas perguntas ontem, encontrei a minha resposta pro nosso vexame. Não é explicar o inexplicável, não, Júlio César; na minha opinião, a explicação tá bem na cara. Porque o melhor futebol da Alemanha pode explicar a derrota; mas o absurdo do que aconteceu só a fissuras internas dos jogadores explicam.
No grosso, psicologia, subjetividade, emoção ainda não são valores realmente centrais para as pessoas, para as instituições, para as seleções. O resultado? 7 x 1 para a infelicidade, em várias e várias versões possíveis dessa goleada. No bolão da vida, eu botaria todo meu dinheiro nisso.
Isso tudo me lembra o que uma vez um padre me disse quanto à coisa que mais o impressionava em décadas de confessionário: perceber o quanto as pessoas eram mais infelizes do que se imagina.
Hoje quem amanheceu padecendo de uma esquisitíssima infelicidade, que nem o mais pessimista dos seres poderia supor (alguém na galáxia ganhou algum bolão?), foi o Brasil.
Que a gente consiga fazer alguma coisa emocionalmente útil com isso.

3 comentários:

  1. Bia, você está certíssima na sua leitura. Acho que grande parte da população sofre de um preconceito com o preparo psicológico, com a (auto)análise, com toda forma de preparo. A formação da equipe alemã data de seis anos, seis anos treinando juntos, seis anos em que um treinador pôde analisar seus jogadores, seus pontos fortes e fracos e aplicar isso em campo; a seleção brasileira é formada em cima da hora, não permite que um técnico avalie seus jogadores em campo para analisar suas atuações individuais e em grupo. A equipe brasileira foi juntada pouco tempo atrás, sem que o treinador (qualquer treinador) pudesse analisar a atuação (individual e coletiva) dos jogadores em campo e descobri e explorar seus pontos fracos e fortes. Associo isso à máxima "o futebol é uma caixinha de surpresas", que coíbe ou pretere qualquer forma de preparo e de estudo. Veja esta notícia: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,copa-do-mundo,alemanha-usa-pesquisa-academica-em-plano-de-jogo-contra-o-brasil,1525021
    Ao mencionar preparo e estudo não me refiro apenas ao ato de debruçar-se em livros, mas sim ao ato de conhecer todos os fatores que afetam sua atividade, inclusive e especialmente a si mesmo: conhecer como você reage ao que acontece à sua volta e saber transformar sua reação em algo positivo, como, por exemplo, transformar frustração em esperança.

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  2. Concordo totalmente, Bia!
    Tenho uma colega de trabalho nutricionista e, outro dia desses, estava até comentando como esse descaso é grave em relação à formação dos profissionais de saúde, mais que isso, o conhecimento médico como um todo, por exemplo, o efeito placebo já foi descrito e mais que provado, mas não passa daí a consideração dos fatores psicológicos para a cura, e até formação das doenças!
    Mas, voltando ao 7x1, o lado bom desse desastre foi exatamente fazer com que a gente se questione...
    Rezo a Deus, todos os dias, para que sejamos melhores enquanto nação. Agora vou acrescentar esse pedido: "transformar frustração em esperança" e mais, mudança de atitude!!!!
    Reza comigo tb? ;) vamos fazer uma corrente?
    bjs, Cata

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