segunda-feira, 10 de junho de 2013

A casa do meu avô





Foi-se a casa do meu avô Adérito. Ruiu com a morte dele na lógica do tempo que segue, que não para. Sorte é que a memória não obedece à ordem cronológica do tempo e consegue fazer viver em nós um pouco do passado morto.  

Assim, na minha memória, ficou o olhar de uma Mariana criança que enxergava uma casa grande em Belo Horizonte, num bairro com sensação de interior. Era a casa do meu avó Adérito.  Lá eu percorria alguns cantos que considerava meus. Gostava de um tal bar que ficava num enorme salão. Chamavam-me atenção os espelhos dele e os tons misturados. Bar que pra mim combinava demais com os sofás grandes apoiados sobre pés de madeiras delicados. Eu achava aquilo tudo tão chique, que pensei muitas vezes que queria aquela sala pra mim.

A melhor parte era passar pela cozinha, sentir o cheiro do feijão da Dercília e descer a escada que dava para o quintal. Batia uma sensação forte quando eu via uma mangueira solitária no centro do quintal. Ela era enorme e dava uma sombra engraçada. Eu gostava de andar por ali e ficava intrigada como uma mangueira podia estar cercada por concretos. As raízes dela quebravam o cimento do chão. Era confuso! Um tanto de cinza no meio do verde. E a vida me ensinou que é assim mesmo, tudo meio verde, meio cinza.

Ficava curiosa demais com dois quartos que ficavam também no quintal. Um era o da Dercília, que trabalhava na casa. O outro era o do meu tio Zé Carlos, homem manso, que sempre ajeitou os belos cabelos lisos com os dedos das mãos.

O quarto da Dercília chegava a ser quase caricato. Bem arrumado, pra não dizer impecável e decorado com “posters” de revistas nas paredes. Não me lembro bem quem eram os artistas e cantores, mas do “Gilliard” nunca me esqueci. E havia uma mesinha com maquiagens de tons fortes, onde se destacavam batons carmins. Confesso que sentia vontade de lambuzar a boca com aqueles batons. Dercília tinha ares de mulher entregue ao amor pungente.

E no quarto do meu Tio... Ha, eu adorava aquilo lá. Era espaçoso e com um monte de livros e discos. Eu sonhava ter um lugar assim quando crescesse. E não é que hoje, crescida, gosto de casa com música e livros!

Era gostoso também me pendurar nos portões da frente da casa, porque eram bem baixos. Via fotos do meu pai por ali quando criança e adolescente e me punha a imaginar o tanto e como a vida dele correu por entre aquele lugar.

Meu consolo pra essa casa que só existe na minha memória é que também vou ter uma casa com uma mangueira. E espero que ela venha a existir na memória de alguém que, como eu, gosta de guardar pedaçinhos do passado. Afinal, passados bem guardados não passam!