terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O melhor lugar do mundo






Era ali, naquele canto de terra, que eles esbarravam na luz do sol.

Lá o roçar das folhas das árvores costumava fazer cócegas no pé do ouvido.

Era a hora em que se podia ouvir a conversa do vento.

Aproveitavam, então, para se entregar ao nada

E riam da tinta que lambuzavam em seus corpos nus.

O que os distraía: tropeços de pés da dança desencontrada que faziam.

Quem os embalava? Talvez, um samba sem nome. Mas a rima vinha da brisa que soava um lento batucar.
Para eles não havia lugar melhor para brincar.


 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O ano vai me engolir. Sei que vai.

O ano vai me engolir. Eu sei que vai. Daqui pouco ficarei na dúvida se é nove ou dez do mês, quarta ou quinta-feira. 
Esquecerei aniversários. Estarei limpando a bagunça do carnaval e já escondendo o ovo de Páscoa das crianças quase que no mesmo dia. 
Planejarei férias com meses de antecedência e, entre isto e aquilo, o tempo escoará pelos meus dedos como areia fina (e quanto mais eu apertar...). 
O ano vai me engolir. Sei que vai. Já vejo seus dentes; conheço essa mordida. 
Segunda e sexta achatarão o que estiver no meio. A semana começará e terminará em moto-contínuo, e esses redemoinhos me sugarão as energias.
Na semana, irei duas vezes ao supermercado.  Na farmácia, na padaria ou no verdurão quase todos os dias. Farei os meus abdominais. Passarei o filtro solar religiosamente, logo depois do fio dental. Levarei filhos na natação, no médico, na escola. Ligarei o automático e sentirei vária vezes dificuldade em sair da minha anestesia. Comerei balinhas sem saber se lembrei de tirar o papel.
O ano vai me engolir. Sei que vai.
Mas não hoje. Hoje ainda não.  
Hoje ele ainda dorme no berço; é um bebezinho que acabou de nascer. É todo esperança, feito inteirinho de futuro. Velo seu sono de recém-nascido e me deixo enganar. Sua inocência de bebê me sussurra no ouvido doces quimeras. Olho para ele, sinto tanta ternura que não contenho fazer planos. Finalmente aprenderei violão. Ficarei muito de papo para o ar. Começo, sem falta, a meditar. Entrarei para a dança de salão. Farei uma amizade nova (uma não, três). Lerei a pilha de livros da minha cabeceira toda; os livros bons, duas vezes. Não deixarei de ir mais a nenhuma festa. Telefonarei para uma pessoa querida todos os dias, só para saber como ela está. Não saberei o que é cansaço, irritação ou preguiça. Viajarei todos os meses. Nunca mais ficarei dando reload no meu email só para escapar do tédio. Serei uma madrinha mais presente.
Eu e esse nenenzinho vamos varar um tempo novo: eu o embalarei suavemente e ele não fará a grosseria de vir a pesar muito no meu colo.
Irei ao cinema pelo menos uma vez na semana. Aprenderei a respirar mais profundo, namorarei com menos pressa, cairei mais vezes na piscina.
Esse bebezinho de candura sem igual veio para me dar todas essas oportunidades - eu sonho. Sua fragilidade não impede a força com que me ilude: suas promessas parecem, hoje, tão possíveis etão reais que chego a ouvir seus passos a caminho. Estão vindo. 
Mas tropeçarão amanhã. É assim que é.
Terão durado só hoje. Logo depois esse ser feito de tempo já começa a crescer em velocidade assustadora. E tão rápido ganhe corpo, me agarrará com os dentes de que já falei. Suas presas não perdoam. Acho que disso também já falei.  
Esse ano vai me engolir. Sei que vai. Daqui a pouco o meu destino de caça se cumprirá, não terá jeito.
Mas o dia de hoje não terá sido em vão. Algo deste histérico banquete ele mudará inexoravelmente: o ano vai me engolir, sei que vai, mas vai me engolir VIVA.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Banho de mar


Era um corpo quase em anestesia

Mas o pensamento o permitia

Nadar em ondas leves

De espumas suaves

Que lambiam a pele morna

Pouco rígida e nunca morta.

Ali, era o mar que movia

O que não mais se mexia.