sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Agosto pantaneiro: primeiro ato


Olho para cima e os raios de sol entram por dois minúsculos buracos de uma pequena folha verde que cresce num galho de uma árvore de tronco menos torto do que os meus olhos estão acostumados a observar. Aqueles dois pequenos orifícios me intrigam. Fico a supor como aconteceram. Imagino algumas causas: formigas, envelhecimento, lagartas, peste local. Não me ocorrem mais hipóteses e sem conhecimento científico de biologia botânica é impossível esquadrinhar a razão daquela folha trazer dois redondos buraquinhos. 
Na minha frente caminha um biólogo que pode saciar minha curiosidade. Eu permaneço, contudo, inerte. Nenhum som sai de dentro da minha boca. Uma pergunta acabaria numa resposta crua, que me despertaria da beleza que é estar atenta à luz que escorre pelas duas discretas aberturas de uma simples folha verde. É preciso estar alerta. É que há horas em que a palavra mata o desejo.

Ofereço, então, minha rara lassidão àquele momento. Afundo minhas botas na terra úmida e coberta de folhas e galhos recém chegados ao chão. Seria bom se eu pudesse atolar. Mas quem atola precisa estender a mão, pedir ajuda, dizer. É a tormenta da palavra sempre à espreita.

Ali, entretanto, o solo é raso. O impulso dos meus pés só consegue chacoalhar a pequena poça de lama e outros materiais orgânicos, sem qualquer possibilidade de empacar meus passos. Assim, sigo. Deixo para trás a cena dos dois delicados feixes de luz atravessando uma folha sem importância. Apenas a guardo em algum canto da minha memória. Naquele lugar, graças ao silêncio, o instante foi meu e de mais ninguém.