sexta-feira, 8 de março de 2013

Justiça "sentimental"



Num sábado de sol, lia antigos artigos de Clarice Lispector na imprensa, quando me deparei com uma narrativa de conteúdo jurídico. Já sabia que Clarice havia estudado Direito, mas confesso que não a imaginava fazendo seus densos voos em temas jurídicos. E me surpreendi com Clarice dizendo que: “(...) Houve um tempo em que a medicina se contentava em segregar o doente, sem curá-lo e sem procurar sanar as causas que produziam a doença. Assim hoje é a criminologia e o instituto da punição.

Surge na sociedade um crime, que é apenas um dos sintomas dum mal que forçosamente deve grassar nessa sociedade. Que fazem? Usam o paliativo da pena, abafam o sintoma... e  considera-se como encerrado um processo. Como então imaginar que o fundamento desse poder que a sociedade tem de punir está na legitimidade, se essa legitimidade só se explicaria por sua utilidade? E onde sua utilidade? Se X comete latrocínio e é encarcerado, A, B, C, D,… etc., ficam impedidos de cometer o mesmo crime? A punição esqueceu-se de encarar a reincidência, no seu sentido lato.

(…) Nota: - Um colega nosso classificou este artigo de “sentimental”. Quero esclarecer que o Direito Penal move com coisas 'humanas', por excelência. Só se pode estudá-lo, pois, humanamente. E se o adjetivo “sentimental” veio a propósito de minha alusão a certas questões extrapenais, digo-lhe ainda que não se pode chegar a conclusões, em qualquer domínio, sem estabelecer as premissas indispensáveis.”

Não tive como não ficar arrepiada da cabeça aos pés, principalmente ao notar que isso foi escrito em agosto de 1941. Explico bem o porquê.

Em abril deste ano completo dez anos de labuta na área criminal e nessa jornada preciso confessar que durante bons anos eu quase perdi as esperanças no Direito Penal. Eu via formalidades demais e sensibilidade de menos. Mas como em todo caminho há um desejo, e em todo desejo há um caminho, no meio da minha estrada jurídica encontrei o meu “ninho”, onde me recasei com o Direito Penal.

Faço uma pausa aqui pra dizer que a frase que brinca com caminho e desejo não é minha, mas de uma psicanalista de cabelos branquinhos e de jeito manso e doce, que chega a dar vontade de ouvi-la falar uma tarde inteira.

Retomando, o meu “ninho” foi a Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Ali, o espectro de Justiça, que antes para mim, era o mais formal possível, com processo e imposição de pena, sabendo-se lá se o condenado teve reentrada no sistema de justiça, passou a ter uma possibilidade de pena com sentido verdadeiramente educativo. É que no meu dia a dia vi vários relatórios elaborados em processos criminais, que apontavam para a quebra do ciclo de violência doméstica porque o autor passara por um percurso de responsabilização baseado, principalmente, na assunção de conceitos de gênero e reconstrução dos padrões de comunicação. Porém, no caminho há pedras também. E quando falo em pedras, penso imediatamente no artigo da Clarice Lispector, pois apesar de ter sido escrito nos idos de 1941, até hoje ressoa com atualidade. Buscar sentido na pena; tentar fazer com que ela dialogue com o “sintoma” do criminoso parece conto da carochinha para muitos.

Só que no lá no meu “ninho” tive a sorte de encontrar uma dupla e tanto de sabiás sabidas, que dia após dia me ensinam que a Justiça é lida humana e por assim dizer "sentimental". Então, no dia internacional das mulheres a minha homenagem vai para a duplinha de sabiás, Alessandra Campos Morato e Fabiana Costa Oliveira Barreto, mulheres que fazem a Justiça do Distrito Federal muito mais humana e, como não poderia deixar de ser, muito mais "sentimental"!

3 comentários:

  1. Respostas
    1. É no que acredito Bianca, depois de longo percurso! Bom que gostou!

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  2. Mari, dizer que eu acredito nisso é pouco: eu SÓ acredito nisso! E acredito em vocês, que têm tudo pra mudar o mundo - pelo menos, o que roça em vocês. #orgulhoimenso

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