Essa é uma estória de
cavaleiros que acreditavam que com suas distintas armaduras, traduzidas em
códigos, leis, livros e pomposas vestes seriam capazes de impedir injustiças.
Exerciam seus ofícios em belos castelos. Acomodavam-se em mesas proeminentes.
Supunham que o saber construído ao longo de largos estudos lhes deixariam bem
próximos de quem procurava por ajuda.
Até que um dia, como em
vários outros dias que não se teve notícia, apareceu o caso de uma moça bonita,
faceira e alegremente mundana. Não pensava a tal moça que seus atributos a
levassem ao que normalmente não faz fronteira com a beleza e a felicidade: a
violência. É que o parceiro da moça,
incapaz de enxergar a finitude da juventude, do amor e da própria vida,
enveredou-se pelo medo. Sem a coragem dos homens que conhecem a diversidade e
os limites de uma vida apenas possível, o tal rapaz passou a fazer do ciúme a
bandeira oculta do seu medo. Buscou atingir a moça para acalmar o desejo de
sentir-se maior. Porque ela não mais o queria, trancou-a num quarto e ali
privou-a de alimentos. Também a agrediu e espantosamente a obrigou a fazer
sexo. E mais e mais vezes, na vontade de ser “estranhamente” grande, repetiu os
atos violentos.
Por sorte ou infortúnio da moça apareceu ajuda, que a levou
defronte aos cavaleiros. Muitos cavaleiros passaram pelo caso. Os primeiros
ouviram a moça e debruçaram-se sobre sua dor. Mas foram poucos. Muito poucos! Os
que se seguiram não quiseram fitar seus olhos carregados de horror. A maioria
achou que bastava nessa luta o uso de boas armaduras. Usaram, então, leis,
códigos, tradições e ao final disseram que não se podia dizer que a moça foi
encarcerada e estuprada pelo rapaz ciumento. Motivos? Ela ria por demais. Era exageradamente
vivida para ser vítima. Para ela cabia o adorno de um batom um pouco menos
carmim e o caminho de casa e do trabalho. E a moça deixou o castelo triste como
nunca se viu.
Já os cavaleiros continuaram
em seus castelos de ofício. Não sei se alegres ou tristes. Soube-se que ainda
labutam muito. Diz-se também que se orgulham de suas belas e antigas armaduras:
togas, capas, leis, códigos e livros. Acredita-se até mesmo que as armaduras já
se tornaram partes deles. Falam por aí
que preferem conhecer os casos por papéis. É que a dor escrita é menos pungente
que a dor falada... Pode ser que como o tal rapaz tenham medo. Mas com medo os
cavaleiros se perdem da dor, perdem-se das pessoas e, porque não, como nunca,
perdem-se do amor.
ps: estória baseada em fatos reais.
É por coisas assim que eu não entendo quem vista do direito pelo direito. Ainda que escrita muitas vezes com nobres intentos, não serve se não for usada para a prática da justiça. Eu, que lido com um aspecto mais prático da aplicação do direito, me sinto muito mais feliz quando consigo resolver uma lide sem escrever uma linha :-)
ResponderExcluirDigo, gosta do direito pelo direito :-)
ResponderExcluirUm belo texto, uma lastima a estoria ser real e repetidamente acometer a muitas, que não possuem o direito à dignidade na dor. Com delicadeza e sagacidade a autora conseguiu transmitir um paradigma do direito e da justiça. A justiça é cega? O direito posto
ResponderExcluirpossui a capacidade de alcançar os que a ele realmente clamam?
Pensar sobre este paradigma é essencial aos que operam diretamente com a sistemática jurídica.