Minha mãe sempre diz, quando está
com os netos, que a boca dela enche d’água.
A tradução disso é que com os netos é sempre como se ela estivesse
comendo a melhor comida do mundo. Faz muito sentido porque um dos maiores
prazeres que ela tem na vida é cozinhar, cozinhar pra encher d’água a boca de
quem saboreia as delícias mineiras e árabes que só ela bem sabe fazer. Hoje, ela completa alguns bons e velhos anos.
Hoje, roda mais uma etapa de uma jornada de vida cheia de detalhes áridos:
morte do pai aos doze anos por atropelamento, coincidentes doze mudanças de endereço
na adolescência, um ano sem escola por puro esquecimento e uma vida financeira
digamos fora dos eixos da estabilidade. Tudo isso, claro, lhe renderam algumas
boas rugas, mais do que ela desejaria. Sorte
é que se o rosto dela carrega marcas, a
alma traz enormes sulcos de generosidade. Generosidade essa que faz bolinho de chuva de
problemas verdadeiramente grandes. Ao menos comigo foi assim quando passamos
juntas por um dos momentos mais difíceis da minha vida. Ela nunca julgou. Nunca,
nunca e nunca. Sempre me disse para esperar e ter calma. Foi o que fiz e anda
dando muito certo. Voltando a água que enche a boca, preciso dizer que o prazer
enorme que ela encontra nos netos, pra lá de um baita amor a eles, na verdade, é
um raro dom. Quando eu a vejo cuidando de crianças e simplesmente conseguindo
traduzi-las ainda que não falem, eu fico com muito orgulho de ser filha de quem
sou. Sei bem que ela carrega certa tristeza por não ter estudado a tal “medicina”
dela. Mas como diz a pediatra e psicanalista francesa Francoise Dolto “qualquer
um que se empenhe em ouvir a resposta das crianças é uma mente revolucionária.”
Por isso minha mãe é minha PHD, sempre a frente de seu tempo...
"Não sei se faz sentido para mais alguém além de mim, mas no fundo sempre escrevemos para nós mesmos. Para, como disse Hélio Pellegrino, poder nascer. E descobrir-se vivo, radicalmente vivo." (Eliane Brum)
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Vice-versa
Na primeira semana de aula do ano, ao buscar minha filha única, de dois
anos no colégio, encontrei-a chorando. Prontamente a coloquei no colo e
perguntei:
- Porque você está chorando Kiki?
Ao que ela respondeu:
- Eu tava perdida sem você mamãe!
Fiquei surpresa, impressionada e emocionada com a resposta inesperada.
E foi nesse instante, que ela parou de chorar e eu comecei, saí da escola aos
prantos com ela no colo, pensando:
- Era eu quem estava perdida, de todas as formas, antes de ter você.
Thiciane Guanabara
anos no colégio, encontrei-a chorando. Prontamente a coloquei no colo e
perguntei:
- Porque você está chorando Kiki?
Ao que ela respondeu:
- Eu tava perdida sem você mamãe!
Fiquei surpresa, impressionada e emocionada com a resposta inesperada.
E foi nesse instante, que ela parou de chorar e eu comecei, saí da escola aos
prantos com ela no colo, pensando:
- Era eu quem estava perdida, de todas as formas, antes de ter você.
Thiciane Guanabara
A heroína de hoje
O filme “Branca de neve e o caçador/white snow and
the huntsman” é uma releitura bem diferente do conto infantil que conheci
quando criança.
Tinha na lembrança uma princesa bondosa e
inocente que era salva pelo seu príncipe. Esta é, inclusive, a síntese não só
deste conto infantil, mas de vários outros do gênero: Cinderela, Bela
Adormecida, Rapunzel (acho que na minha infância só havia essas princesas!).
Este enredo, inclusive, foi mote para criação de algumas obras literárias, entre elas, “O Complexo de Cinderela”, de Colette Dowling, publicado em 1981, que trata do desejo utópico das mulheres em serem salvas por um príncipe, como fuga e negação da responsabilidade por si mesmas.
Mas, voltando ao filme: fui ao cinema sem nenhuma pretensão, a não ser de me distrair, e me surpreendi com o que assisti.
O filme branca de neve de hoje traz uma mocinha muito diferente da que me recordava. A heroína atual ainda é uma moça boa e ingênua, mas ao longo do filme, mesmo mantendo o seu bom coração, torna-se uma mulher forte, destemida, e não mais frágil como no início.
A Branca de Neve de agora, ao ter sua vida poupada pelo caçador, além de ser salva, é também salvadora.
O filme é tão inusitado, que não chegamos a ter certeza se a Branca de Neve possui ou nao um príncipe!
Este enredo, inclusive, foi mote para criação de algumas obras literárias, entre elas, “O Complexo de Cinderela”, de Colette Dowling, publicado em 1981, que trata do desejo utópico das mulheres em serem salvas por um príncipe, como fuga e negação da responsabilidade por si mesmas.
Mas, voltando ao filme: fui ao cinema sem nenhuma pretensão, a não ser de me distrair, e me surpreendi com o que assisti.
O filme branca de neve de hoje traz uma mocinha muito diferente da que me recordava. A heroína atual ainda é uma moça boa e ingênua, mas ao longo do filme, mesmo mantendo o seu bom coração, torna-se uma mulher forte, destemida, e não mais frágil como no início.
A Branca de Neve de agora, ao ter sua vida poupada pelo caçador, além de ser salva, é também salvadora.
O filme é tão inusitado, que não chegamos a ter certeza se a Branca de Neve possui ou nao um príncipe!
Ela é, sem dúvida, despertada do sono
profundo pelo caçador, que, pela segunda vez, salva sua vida. Mas, como dito
antes, ela também o salva.
Demonstra, assim, o equilíbrio que deve haver na relações afetivas, não de dependência, busca de felicidade e soluções para si próprio no outro, mas de partilha, troca, amizade e confiança.
A atual Branca de Neve não somente salva as pessoas do seu reino das atrocidades de sua madrasta, mas com a pureza de seu coração e coragem para lutar, inspira os que a seguem, trazendo a vida, a esperança e a liberdade de volta a todos.
Demonstra que são as nossas atitudes que transformam a realidade; o que fazemos hoje, repercutirá no amanhã. Somos, mesmo sem ter consciência ou vontade, responsáveis por nós mesmos e pelo que vamos deixar.
O que realmente marca no filme é a transformação pela qual passa a heroína, o que faz lembrar Ernesto Che Gevara "hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás", sempre me recordo desta frase e, ao ver o filme, não foi diferente.
Há situações em que a vida não nos deixa escolha. Nestas ocasiões somos obrigados a agir ao contrário do que queremos, para o nosso próprio bem ou para o bem daqueles que amamos.
Isso ocorre desde as situações mais frequentes, como repreender nossos filhos para poder melhor educá-los, até outras mais complexas, como em um dia de trabalho, ou mesmo na vida privada, em que nos vemos impelidos a fazer valer nossa vontade para não sermos atropelados frente a alguma injustiça.
Branca de Neve, assim como acontece conosco, não nasceu sabendo lutar e, até mesmo não o queria, mas ajudada pelo caçador, foi lembrada por este que haveria algum momento em que ela também não teria escolha, precisaria ser dura e ao mesmo tempo manter-se íntegra.
Demonstra, assim, o equilíbrio que deve haver na relações afetivas, não de dependência, busca de felicidade e soluções para si próprio no outro, mas de partilha, troca, amizade e confiança.
A atual Branca de Neve não somente salva as pessoas do seu reino das atrocidades de sua madrasta, mas com a pureza de seu coração e coragem para lutar, inspira os que a seguem, trazendo a vida, a esperança e a liberdade de volta a todos.
Demonstra que são as nossas atitudes que transformam a realidade; o que fazemos hoje, repercutirá no amanhã. Somos, mesmo sem ter consciência ou vontade, responsáveis por nós mesmos e pelo que vamos deixar.
O que realmente marca no filme é a transformação pela qual passa a heroína, o que faz lembrar Ernesto Che Gevara "hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás", sempre me recordo desta frase e, ao ver o filme, não foi diferente.
Há situações em que a vida não nos deixa escolha. Nestas ocasiões somos obrigados a agir ao contrário do que queremos, para o nosso próprio bem ou para o bem daqueles que amamos.
Isso ocorre desde as situações mais frequentes, como repreender nossos filhos para poder melhor educá-los, até outras mais complexas, como em um dia de trabalho, ou mesmo na vida privada, em que nos vemos impelidos a fazer valer nossa vontade para não sermos atropelados frente a alguma injustiça.
Branca de Neve, assim como acontece conosco, não nasceu sabendo lutar e, até mesmo não o queria, mas ajudada pelo caçador, foi lembrada por este que haveria algum momento em que ela também não teria escolha, precisaria ser dura e ao mesmo tempo manter-se íntegra.
Eis o equilíbrio que devemos tentar alcançar:
agir quando necessário para defender o que acreditamos e sabemos ser o certo,
sem deixar que as dificuldades acumuladas pelo caminho endureçam também a nossa
alma.
Thiciane Guanabara
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Barulhinho bom
Gostamos de gente. Na verdade, amamos! E assim seguimos do alto dos nossos trinta e oito anos ainda saindo. Somos gente gostando de gente. E também gostamos de Brasília. Amamos esse quadrado com pontas distantes, que nos faz percorrer muitos quilômetros pra estar perto de gente. Tanto espaço traz um “digamos” distanciamento corporal. E por isso não é muito comum que no nosso quadradinho haja aquela coisa da “mundiça” como dizem os nordestinos, algo mesmo do gregário.
Faz um bom tempo, no Gilberto Salomão, era um esbarra-esbarra delicioso de gente jovem. Gente que ia e vinha. Hoje, tem tão pouco disso... O povo vai pra shopping. É uma tristeza! Diz que não é? Aí aparece uma galera sagaz com umas ideias de ocupar os espaços públicos, como estão fazendo os caras do “Aparelhinho – ocupe o centro” e o pessoal do Criolina com a tal da “Quarta Champagne”, que acontece uma vez por mês. Quarta delícia, com música gostosa e arte de quebra. Ali tem gente dançando; tem arte vibrando; tem gente se encontrando... Mas tem também gente que não gosta muito de gente. Nenhum problema nisso. Agora. não cola gente que não gosta de encontro de gente. Será que nunca foram jovens? As meninas do blog “quadrado” fizeram uma boa reflexão sobre a (in)tolerância nos dias de carnaval nas quadras 202 da Asa Sul. Pra quem quiser conferir, vai o link:
http://quadradobrasilia.wordpress.com/2013/02/08/tire-o-seu-sorriso-do-caminho/
E falando nisso, no Criolina Champagne, na última quarta, a música acabou às onze horas da noite. Nem um minuto a mais, nem um a menos. E já antes das onze, havia alguns camburões da Polícia Militar pela rua. Nada de criminoso se viu ali. Era música, arte e gente. Houve dispersão, claro! Como não, né! Ficamos cá nos perguntando se é tão difícil assim uma vez por mês tolerar gente se encontrando um bocadinho ao sabor de boa música. Ficamos cá nos perguntando se uma vez por mês não dá pra ligar o ventilador pra abafar o som. Flanar pelas largas ruas do nosso sossegado quadrado e estar entre gente uma vez por mês não é pedir muito não!
Uma de nós já morou no Rio de Janeiro, numa rua super barulhenta. Foram oito meses numa esquina de Botafogo. Trânsito caótico. Depois foram alguns outros bons meses num lugar mais silencioso, também com seus naturais barulhos. Sim, lá no Rio, existe uma maior tolerância. Se bem que um dia desses ficamos sabendo de umas ideias de atrapalharem a vida dos boêmios na Lapa. Será que eles também estão ficando de saco cheio “das gentes”? Pelo que percebemos é especulação imobiliária.
Temos que confessar que hoje em dias nós duas moramos em lugares muito silenciosos. Se bem que, seja em casa, seja no vizinho, há cachorros, minha gente. E muitas vezes eles botam pra quebrar, no melhor estilo de bons e velhos barulhentos bares. Pra quem nunca ouviu falar, nestes tais lugares silenciosos já apareceram sapos que resolveram cruzar. Não há nada mais barulhento. Só que nessas horas não dá pra chamar a polícia pra calar a bicharada! Já pra nós...
Mariana e Cristina, que não gostam muito de barulho não, mas como amam gente, toleram barulhinho, de preferência, bom!
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Te pego "lá dentro"
Aquela babá que se demitiu aqui de casa logo depois das
férias, ao responder a minha pergunta de porque iria sair, me disse sem rodeio:
“eu tô achando muito cansativo.”
Senti na hora o cachorro bravo que mora dentro de mim
espumar de raiva.
No momento não parei pra “ler” direito essa raiva; muito
mais fácil foi sair colocando toda a culpa na sujeita, legitimando pra mim e
pra quem mais me ouvisse toda aquela erupção interna.
Não é que ela não tivesse sido sacana comigo. Foi. Muito sem
responsabilidade e consideração também – me deixou na véspera de eu voltar a
trabalhar, sabendo que eu não iria ter, de imediato, onde deixar a minha
menorzinha.
Acho que qualquer um teria ficado um tanto quanto puto, mas,
se o problema fosse só a leviandade da babá, muito provavelmente rapidinho a
coisa se dissolveria.
Mas comigo ali estava sendo diferente. No dia seguinte, eu
me peguei sentindo... raiva, de novo. E no dia seguinte do dia seguinte também.
Isso me botou pra pensar, pois no meu rol de sentimentos
negativos habituais, sentir raiva, e dessas que não vão embora, não é muito
comum.
De onde está vindo tanta raiva? – me perguntava. Sem
resposta que convencesse, melhorei a pergunta: “no que seu essa moça tocou tanto pra te deixar assim, Gabriela?”. Ah,
agora sim, algo meu. A babaquice foi dela, mas aquela gosma ruim
toda vinha de algo que era meu e nada tinha a ver com a moça.
Não precisei de muito tempo pra descobrir qual foi a minha vulnerabilidade
que a babá, sem saber, invocou com o que falou: a primeira a achar a rotina
atual da minha casa muito cansativa sou eu mesma! E quantas vezes tudo o que eu
mais queria era uma patroa pra chegar e pedir as contas; pra dizer, “olha, você
me desculpa, eu tô achando tudo muito cansativo, vou embora, tá”. Ufa, que alívio.
Era daí que vinha aquela raiva toda. Aquela menina sem querer tinha escancarado, colocado em palavras, algo que eu combatia, negava: o cansaço que às vezes me bate, o saco cheio com os filhos, com a gerência da casa, com a vida adulta de uma forma geral em que às vezes me pego. Tá tudo muito bem, mas às vezes simplesmente it sucks. E se eu quisesse
combater alguma coisa de verdade, quem eu tinha que chamar na chincha era eu mesma e
não a garota.
Viver essa historinha realçou mais uma vez pra mim algo que
já vi transparecer mil vezes, em mim, nos meus, nos trechos dos outros que pego
por aí: o que gruda na gente, seja bom, seja ruim, nunca vem verdadeiramente do
outro. O outro é só a “fonte física” da emoção. Essa, meu caro, encontra razões
em você mais do que em qualquer outro lugar, pode ter certeza. Aquela coisa de a beleza estar muito
mais no olho de quem vê do que no que é visto? Pois se aplica a muito mais :
não só a beleza, mas a feiúra, o mal estar, a canalhice, o absurdo.
Não que alguém não tenha o poder de te chatear, magoar
seriamente até, com coisas que em nada se relacionam com os seus gatilhos
internos. Não que não exista o que é triste por si, insuportável por si, maléfico
e errado por si. Claro que sim. Mas quando a reação a isso passa do que poderia
ser a de qualquer um, pode colocar a orelha em pé, pois ali tem algo seu, só
seu, muito seu, que foi fisgado pela história e aí a fez ficar enorme. Vai encarar?
Então, quando a implicância é gratuita demais, quando a
paixão arrasta mais do que o suportável, quando a dor de cotovelo não passa
nunca, quando uma prosaica situação te deixa sempre no maior mau humor do mundo,
o dedo que costuma sair por aí medindo todo mundo tem que ter a humildade de se virar pra
dentro. Se quisermos realmente aprender com aquilo, seguir essa pista nossa pra
evoluir, sermos melhores, quem precisa ir pra retífica é a gente mesmo.
Elementar?
Nem um pouco. Poucas, pouquíssimas, são as pessoas que,
quando em sofrimento meio desproporcional, têm a coragem, primeiro, de admitir que estão overeacting, e segundo, de subir no ringue certo: o
próprio. A grandessíssima maioria, querendo ou não, prefere ficar metendo o pé
na porta do outro, chamando pra porrada lá fora, na tentativa de arranjar um
inimigo mais palpável, mais concreto e muito mais “derrubável” do que o euzinho sombra, baita covarde, que nos
habita.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
Rapidinha psico-cômica
Resolvo que está na hora de terminar minha licença maternidade da análise. Mando uma mensagem pra minha analista de oito anos anos pedindo um horário essa semana. Não assino sabendo que eu estou na agenda dela do celular há muito tempo; há anos a gente troca msn.
Mais que depressa ela responde um literal "Quem é você?"
Não resisto à piada pronta e respondo: "Boa pergunta!"
Rindo muito sozinha, percebo que é a primeira vez que solto uma gracinha com ela. E me lembro na hora dela falando que a piada é um dos maiores sintomas de "cura". Hum... Será?
Só pra garantir, marquei pra sexta.
A moça e os cavaleiros
Essa é uma estória de
cavaleiros que acreditavam que com suas distintas armaduras, traduzidas em
códigos, leis, livros e pomposas vestes seriam capazes de impedir injustiças.
Exerciam seus ofícios em belos castelos. Acomodavam-se em mesas proeminentes.
Supunham que o saber construído ao longo de largos estudos lhes deixariam bem
próximos de quem procurava por ajuda.
Até que um dia, como em
vários outros dias que não se teve notícia, apareceu o caso de uma moça bonita,
faceira e alegremente mundana. Não pensava a tal moça que seus atributos a
levassem ao que normalmente não faz fronteira com a beleza e a felicidade: a
violência. É que o parceiro da moça,
incapaz de enxergar a finitude da juventude, do amor e da própria vida,
enveredou-se pelo medo. Sem a coragem dos homens que conhecem a diversidade e
os limites de uma vida apenas possível, o tal rapaz passou a fazer do ciúme a
bandeira oculta do seu medo. Buscou atingir a moça para acalmar o desejo de
sentir-se maior. Porque ela não mais o queria, trancou-a num quarto e ali
privou-a de alimentos. Também a agrediu e espantosamente a obrigou a fazer
sexo. E mais e mais vezes, na vontade de ser “estranhamente” grande, repetiu os
atos violentos.
Por sorte ou infortúnio da moça apareceu ajuda, que a levou
defronte aos cavaleiros. Muitos cavaleiros passaram pelo caso. Os primeiros
ouviram a moça e debruçaram-se sobre sua dor. Mas foram poucos. Muito poucos! Os
que se seguiram não quiseram fitar seus olhos carregados de horror. A maioria
achou que bastava nessa luta o uso de boas armaduras. Usaram, então, leis,
códigos, tradições e ao final disseram que não se podia dizer que a moça foi
encarcerada e estuprada pelo rapaz ciumento. Motivos? Ela ria por demais. Era exageradamente
vivida para ser vítima. Para ela cabia o adorno de um batom um pouco menos
carmim e o caminho de casa e do trabalho. E a moça deixou o castelo triste como
nunca se viu.
Já os cavaleiros continuaram
em seus castelos de ofício. Não sei se alegres ou tristes. Soube-se que ainda
labutam muito. Diz-se também que se orgulham de suas belas e antigas armaduras:
togas, capas, leis, códigos e livros. Acredita-se até mesmo que as armaduras já
se tornaram partes deles. Falam por aí
que preferem conhecer os casos por papéis. É que a dor escrita é menos pungente
que a dor falada... Pode ser que como o tal rapaz tenham medo. Mas com medo os
cavaleiros se perdem da dor, perdem-se das pessoas e, porque não, como nunca,
perdem-se do amor.
ps: estória baseada em fatos reais.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Remoçar
Aos trinta e um anos decidi fazer um intercâmbio pra
aprender inglês. Tarde podia ser, mas assim foi. Nas primeiras semanas eu me
perguntava o que fazia ali naquela sala de aula cheia da “casa dos vinte
anos”. Retumbava na minha cabeça que invenção maluca era aquela de morar numa
família com uma “irmã” de dezessete anos, que me olhava com cara de “A
estranha”. Os dias se passaram e fui me
dando conta que o sol que entrava bem cedinho no quarto que “minha família
australiana” separou pra mim tinha um brilho único, que era impossível deixar
passar. Dali em diante, a casa dos vinte me entoou as alegrias minhas dos
tempos dos dezessete anos. E assim me
pus a “experimentar”, num corpo e cabeça de trinta, as aventuras que eu poderia
ter reduzido aos tempos dos dezessete. E como foi MARAVILHOSO sentir que a
gargalhada incontida que eu dava no trajeto do ônibus voltando do segundo grau,
eu consegui repetir inúmeras vezes no ônibus que me levava e trazia da escola
de inglês. Voltar em sensações na mesma intensidade dos tempos idos me fez ter
a certeza que remoçar é atemporal. Basta
deixar que aquele lado adulto demais, certinho demais, recatado demais, “experimente”, fácil, fácil, como foi aos
dezessete, aos dezoito, aos vinte e porque não aos trinta, quarenta e mais
tantos outros “enta”. E assim a alma
remoça. E quanto!
ps: esse texto vai pra Lu (Lucy
Lion) e Katia, amigas super “VINTE”, que me fizeram viver um dos seis meses
mais alegres da minha vida!
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
cartão de aniversário
A gente se conheceu ainda no colégio. Depois, estávamos juntas na faculdade. Eu a achava metida. Hoje vejo que de metida não tinha nada: é uma das pessoas mais simples que conheço. Só que por essas compensações nossas, ela é uma mulher luxuosa, que gosta de coisa boa, de preferência cara, e se recheia disso, além de usar de escudo pro coração mole que tem um narizinho empinado, com um leve ar de superior. Aos 20 e poucos anos, eu resumia isso tudo pra mim com um curto e burro: "que metida essa garota!".
No finalzinho da faculdade, nos aproximamos. Acabei entrando para o seletíssimo rol dos seus amigos; uma pouca gente para quem ela abre em flor a sua doçura e chama para passar a viver ali, no centro do seus sentimentos e da sua fidelidade, que é canina.
Desde então tenho "assento" nos seus aniversários. Literalmente, porque nos últimos anos ela vem escolhendo comemorar com sua dezena de amigas em algum restaurante in da cidade. Cadeiras contadas, destinadas de antemão para cada convidada. Cada ano fica mais chique: esse último tinha cardápio particular para o evento e bolo confeitado individual de lembrancinha (!). Faz parte dos seus mimos a quem "assenta" em sua vida.
Não temos um dia-a-dia. A correria é sempre muita e são rotas de rotina e de vida diferentes. Mas para os seus aniversários eu sou religiosamente convidada há uns bons 15 anos. Sexta agora que passou era um desses. Me chamou. Não conseguiu falar comigo, insistiu, deixou recado no celular, no facebook, onde mais conseguiu. Eu, que tava louca pelejando com redemoinhos da semana (volta ao trabalho depois da licença maternidade; colégio novo dos mais velhos; berçário para a mais nova; babá nova), vendo todos os recados, me peguei pensando Mas será que ela tem dúvida que eu não vou? Só morta. E me vi respondendo com ar impaciente: É claro que eu vou no seu aniversário, sua besta. (sua besta ficou só na minha cabeça).
No dia, driblei um monte de coisa (três meninos pra mandar pra escola de fantasia e nenhuma fantasia em casa; cento de brigadeiro para a festinha da escola para providenciar; a mais velha em pânico em casa com o seu primeiro dever de casa; sozinha no trabalho respondendo por tudo), mas cheguei lá no almoço, com presente pensado pra ela e tudo.
Não sei se ela percebeu, mas tinha acabado de dar uma choradinha no carro. Tinha me emocionado pensando justamente no aniversário dela, pensando que eu não estava ali esbaforida e tresloucada à toa, muito menos por obrigação, tradição, culpa ou vontade de ter um almoço de primeira grátis. Nada disso. Aliás, se tem algo maravilhoso dessa curva dos trinta e tantos/quase quarenta, é que a gente vai se sentindo cada vez menos obrigado a estar presente em qualquer coisa, é ou não é?
Pois o que me fazia ter dado nó em pingo d'água naquela manhã era um sincero sentimento de amizade. Puro e na veia.
Mas se a gente não convive quase nada, que amizade é essa?, a minha diabinha de estimação me sussurrou no ouvido, no que deu passagem pra eu sentir na pele o rio profundo de amizade que nos corta. Na hora, me vieram na cabeça coisas que parecem frase-feitas, mas não são, que parecem simples, mas não são, que parecem comuns, mas... não são de jeito nenhum. Ela é minha amiga porque, primeiro, gosto muiiiitooo dela, sem saber explicar direito o porquê. E disso vem que torço por ela. Torço mesmo, não da boca pra fora ou só pra constar. E, sempre que ela precisa de mim, até onde meus braços alcançam no mundo, lá eu estou mexendo pra ajudá-la.
Eu que adoro uma teoria (né, Baquero?) xarope (né, Beto?) rascunhei na hora: gostar sem explicação, torcer e ajudar. Eis do que uma amizade - das boas, das para sempre, das verdadeiras - é feita. Se der também pra partilhar a vida, ótimo, mas isto não é essencial (e aqui eu me sinto dando uma rasteira na vida loca: você me enrola todinha, mas, veja só, não consegue levar embora meus amigos, não...).
Eu só não tinha conseguido fazer uma coisa antes de chegar no almoço: escrever pra ela o cartão de aniversário que queria. Com uns dias de atraso, aqui está, Mari Becker, o seu cartão de aniversário. (;
No finalzinho da faculdade, nos aproximamos. Acabei entrando para o seletíssimo rol dos seus amigos; uma pouca gente para quem ela abre em flor a sua doçura e chama para passar a viver ali, no centro do seus sentimentos e da sua fidelidade, que é canina.
Desde então tenho "assento" nos seus aniversários. Literalmente, porque nos últimos anos ela vem escolhendo comemorar com sua dezena de amigas em algum restaurante in da cidade. Cadeiras contadas, destinadas de antemão para cada convidada. Cada ano fica mais chique: esse último tinha cardápio particular para o evento e bolo confeitado individual de lembrancinha (!). Faz parte dos seus mimos a quem "assenta" em sua vida.
Não temos um dia-a-dia. A correria é sempre muita e são rotas de rotina e de vida diferentes. Mas para os seus aniversários eu sou religiosamente convidada há uns bons 15 anos. Sexta agora que passou era um desses. Me chamou. Não conseguiu falar comigo, insistiu, deixou recado no celular, no facebook, onde mais conseguiu. Eu, que tava louca pelejando com redemoinhos da semana (volta ao trabalho depois da licença maternidade; colégio novo dos mais velhos; berçário para a mais nova; babá nova), vendo todos os recados, me peguei pensando Mas será que ela tem dúvida que eu não vou? Só morta. E me vi respondendo com ar impaciente: É claro que eu vou no seu aniversário, sua besta. (sua besta ficou só na minha cabeça).
No dia, driblei um monte de coisa (três meninos pra mandar pra escola de fantasia e nenhuma fantasia em casa; cento de brigadeiro para a festinha da escola para providenciar; a mais velha em pânico em casa com o seu primeiro dever de casa; sozinha no trabalho respondendo por tudo), mas cheguei lá no almoço, com presente pensado pra ela e tudo.
Não sei se ela percebeu, mas tinha acabado de dar uma choradinha no carro. Tinha me emocionado pensando justamente no aniversário dela, pensando que eu não estava ali esbaforida e tresloucada à toa, muito menos por obrigação, tradição, culpa ou vontade de ter um almoço de primeira grátis. Nada disso. Aliás, se tem algo maravilhoso dessa curva dos trinta e tantos/quase quarenta, é que a gente vai se sentindo cada vez menos obrigado a estar presente em qualquer coisa, é ou não é?
Pois o que me fazia ter dado nó em pingo d'água naquela manhã era um sincero sentimento de amizade. Puro e na veia.
Mas se a gente não convive quase nada, que amizade é essa?, a minha diabinha de estimação me sussurrou no ouvido, no que deu passagem pra eu sentir na pele o rio profundo de amizade que nos corta. Na hora, me vieram na cabeça coisas que parecem frase-feitas, mas não são, que parecem simples, mas não são, que parecem comuns, mas... não são de jeito nenhum. Ela é minha amiga porque, primeiro, gosto muiiiitooo dela, sem saber explicar direito o porquê. E disso vem que torço por ela. Torço mesmo, não da boca pra fora ou só pra constar. E, sempre que ela precisa de mim, até onde meus braços alcançam no mundo, lá eu estou mexendo pra ajudá-la.
Eu que adoro uma teoria (né, Baquero?) xarope (né, Beto?) rascunhei na hora: gostar sem explicação, torcer e ajudar. Eis do que uma amizade - das boas, das para sempre, das verdadeiras - é feita. Se der também pra partilhar a vida, ótimo, mas isto não é essencial (e aqui eu me sinto dando uma rasteira na vida loca: você me enrola todinha, mas, veja só, não consegue levar embora meus amigos, não...).
Eu só não tinha conseguido fazer uma coisa antes de chegar no almoço: escrever pra ela o cartão de aniversário que queria. Com uns dias de atraso, aqui está, Mari Becker, o seu cartão de aniversário. (;
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
O que trazemos das férias
Existe um órgão em nós que considero muito subestimado: nosso par de retinas (em ato falho flagrante acabei de escrever “rotinas” ao invés, rs). As retinas e, mais especificamente, o cansaço que fácil demais se instala nelas. É um estado doentio muito mais comum do que se imagina, eu penso. É causa de inúmeros problemas atribuídos erroneamente a milhões de outras coisas (e, no fundo, o que está lá causando a bagunça toda é só esse par de velhinhas entediadas e rabujentas mesmo...). E não existe grupo de risco - pelo o que reparo, absolutamente todo mundo está sujeito à peste (até crianças: é só um brinquedo passar mais de uma semana aqui em casa pra perder metade da graça pras daqui de casa).
Experimente:
quer deixar de sentir a emoção que uma certa foto te provoca? Coloque-a num
porta-retrato perto de você. Você terá que se concentrar muito (ou melhor, se
distrair muito) pra que a foto volte a ter sobre você aquele poder de antes,
quando era vista só de vez em quando num álbum. Diga aí se não é.
Não sei qual
foi a engenharia genética ou espiritual que nos fez assim, mas é muito evidente
esse nosso processo. As vistas se cansam no dia-a-dia, acostumam-se rápido
demais com tudo e aí, mesmo continuando a enxergar, param de ver. Isso pode ter até as suas vantagens,
pois com o feio, o ruim e o doloroso também nos acostumamos, mas o torpor
cobra um preço alto: também paramos de sentir (pelo menos de sentir como caberia) o
que temos de bom na vida. Principalmente se esse bom é daqueles de presença
suave e cotidiana, como, exemplos, uma saúde que não dá problemas ou um maridão
velho de guerra, que não dá mais nenhum frio na barriga, mas que é
quem sustenta a sua vida (feliz) nas mãos dele. Diagnóstico: pura retina cansada.
Outro
problema das retinas com tempo de validade vencido é o erro de avaliação. Veja:
é só a gente mergulhar demais numa coisa pra não conseguir mais ter uma opinião
mais consistente sobre ela. Perdem-se as incríveis sacações do primeiro
impacto. Repare quando a gente volta de viagem e abre a porta de casa. Por
alguns preciosos segundos, conseguimos enxergá-la como se não fosse nossa,
e se deliciar com o seu aspecto que a gente já enchia de defeitos ou, ao
contrário, perceber que aquela aquarela de cores que colocamos na sala, no
final das contas, não ficou tão stylish
como se pensou... Tenho isso com o que escrevo no trabalho: vai ficar muito melhor se entre escrever e soltar houver uma noite no meio.
Distanciamentos, tempos... Férias!
As férias são
um excelente antídoto contra essa corrosiva canseira de olhos. Se não resolve,
alivia que só. Uns míseros dias já fazem mágica, é muito impressionante.
Até férias ruins servem, pois as duas velhotas aí do seu globo ocular até que
não são tão exigentes: elas só querem variar, mesmo que seja pra pior!
Além do bigode de melasma mais forte, foi isso que eu trouxe das inesperadamente
espetaculares férias da semana passada: uns olhinhos desenrugados que acharam a
vida por aqui uma lindeza. Como dizem os chilenos "que buena onda"!
Até que dois dias depois
a babá pediu as contas e aí não teve frescor praiano que me segurasse
zen! Mas isso já é outra estória...
O que a hora pede
Pra quando a alma pede mergulho: prosa reversa.
Pra quando canta a bagunça:
pintura de criança.
Pra quando a vida pede pausa: silêncio de lagarta.
Pra quando o drama encena a trama: tango, sim, tango.
Se eu peço arte, muitas vezes, basta o tom do mate.
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