Por isso, depois de cinco anos de intensas interrupções, dos quais o último foi uma coisa de doido, me flagrei sentindo um negócio esquisito ao ficar mais tempo a sós com meu marido dia desses: medo.
Estávamos indo para BH para o casamento de um amigo. Ao descer do carro da minha mãe no aeroporto, vendo os rostinhos de choro de nossas crianças encostados no vidro, ao invés do costumeiro "ufa-a-gente-bem-que-merece-esse-descanso!", me peguei sentindo... medo.
E de quê, o medo? Era evidente: medo de perceber que a gente virou algo tão coletivo que não sobrou nada como casal. Medo de termos nos perdido e não saber nem mesmo onde. Interrompidos. Fatalmente interrompidos.
Não foi um medo assim tão grande. Um medo tranquilo até, se é que isso existe. Mesmo do meio do nó, dava pra enxergar que era algo muito mais relacionado à minha tendência apolíptica com tudo que tem a ver com casamento do que com a nossa realidade.
De todo jeito, era um sentimento novo pra mim e me botou pra pensar.
Mas fui interrompida.
Dessa vez não pelas crianças. Mas por ele, esse moço bonito com quem estou casada há já um monte de anos.
Alheio ao meu turbilhãozinho interno, ele passou a mão na minha cintura e, sem mais nem menos, enquanto colocava a minha bolsa no raio-x, recomeçou uma conversa comigo de algo muito dele, duro, íntimo, difícil de falar. Assim, do nada, passou pelo ponto final, tascou um ponto e vírgula e ignorou qualquer hiato que existisse entre a gente. Só fomos parar de novo a conversa já dentro do táxi em Belo Horizonte.
Vi meu medo encolher de vergonha. Vergonha pelo raso que havia sido. Vergonha por ter se esquecido de algo bem básico que já tinha aprendido. Que a intimidade, as grandes intimidades, são peritas em construir pontes altas, altíssimas; as interrupções, ao menos essas que vêm de fora da gente, não as conseguem alcançar. E por elas o amor costuma atravessar, são e salvo.
Isso me lembrou o poema "casamento" da Adélia Prado, não por acaso lido no nosso casamento. Em um trecho ela fala sobre o "rio profundo" que atravessou a cozinha quando os cotovelos da esposa e do marido se tocaram ao limparem os peixes que ele trouxera da pescaria. Nas palavras sensíveis de Adélia, naquele instante voltaram a ser "noivo e noiva".
Pois ali, com essa conversa de "rio profundo", eu e ele havíamos nos reencontrado mais uma vez; "noiva e noiva" de novo.
Disto me veio uma coisa. O quanto a gente enaltece o "primeiro encontro", o "achar quem" do amor, e nem percebe os incontáveis reencontros depois de que uma história de amor vai ser necessariamente feita (falo em história; ensainhos de amor, ah, esses vão ficar sem reencontros mesmo).
E aí, como não percebemos, acabamos não investindo, não inventando, não aprendendo como fazer, não se colocando numa posição propícia a. Passivos, a maioria costuma ficar só na reza mesmo pra que aquela paixonite do início consiga tudo por si só.
Nada mais anti-casamento.
Não passou muito e já tínhamos chegado no casamento do Otávio e da Mariana. Um desses com start bonito, festa bacana e tal, mas que o que mais me emocionou mesmo foi a sensação que tive de que o casal ali sabe o que está fazendo. Que estão dispostos a responder sim um pro outro mais um milhão de vezes, a se resgatarem sempre que preciso, a protagonizarem outros tantos casamentos, dessa vez sem glamour e sem plateia, no silêncio de uma braço que alcança uma cintura, de uma conversa que só se pode ter com aquela pessoa, de cotovelos que se esbarraram durante o mais trivial do dia e te levam pra outro lugar.
Assim, sem muita interrupção.