terça-feira, 15 de setembro de 2015

Cours de L'yser


O comércio parece ainda despertar e o meu dia gira há algumas horas. Me vem à cabeça cenas curtas do mover-se das mulheres francesas. Elas não fogem do perscrutar dos meus olhos. Gosto da aparente ou real lentidão delas. Parecem flutuar em suas bicicletas de cestinhas. E quando não há duas rodas e o transporte repousa nos pés, as mãos (normalmente a das senhoras), ficam livres para carregarem flores. Algo me diz que estão a cultivar pausas.

Outro dia, uma francesa pediu ao cachorro dela, que estava muito agitado, que agisse lentamente comigo. Usou a expressão “lentement”. Que tesouro um pedido desse! Talvez, esteja a precisar que alguém segure minhas mãos e diga: “lentamente, Mariana”.

Nesse momento o “tram” me sacode de maneira gentil. Reparo uma mãe que lê para o seu bebê. Ela o faz de forma vagarosa. E o bebê, a imitar a mãe, passa seus dedos sobre o livro como se não existissem relógios. Observo ambos e me indago porque ando a correr. Corro com meus pensamentos. Corro com meus pés calçados e até mesmo com minha bicicleta curiosamente pouco veloz. 

Um sinal dentro do “tram” indica minha parada. Place de La Victoire. Desço. O frio aligeira meus passos. Será mesmo a temperatura a me apressar? Chego até minha rua. Cours de L'yser. Vejo no caminho até minha casa um homem limpando os vidros de um restaurante. Não diria ser francês dentro dos meus estereótipos imaginários. Seu semblante é feliz. Faz gestos suaves com os produtos de limpeza que tem nas mãos. Imediatamente, eu paro. A lentidão me invade. Escuto ao pé do ouvido a tal francesa dizer: “lentement, Mariana”. E só, então, me dou conta da beleza da rua que escolhi para morar, apesar de já a ter esconjurado muito mais vezes que meu marido gostaria de escutar. Nessa rua, a França concretiza também suas mazelas. Nela se mimetizam o que costumamos evitar: contradição, mistura, sujeira, velhice, alcoolismo e, quiça, o tédio. Mas para mim, agora, é a rua onde existe um moço, que limpa delicadamente os vidros de seu provável comércio e me fez pausar. Assim, pra me vida me levar. Lentamente.


5 comentários:

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  2. Precisamos todos pausar ou ralentar um pouco, não é?! Adorei o texto! Quanto tempo vocês ficam por aí? Beijos e curta muito essa oportunidade de viver mais lentamente.

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    1. Que bom q gostou!!! Voltamos em janeiro. Pausa curta!!! Bj

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  3. E se a gente pudesse fazer a vida mais lenta, seríamos mais felizes, doces e respeitaríamos mais o outro, não é?

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    1. Acho que sim. Difícil é conseguir trazer pausas para o dia a dia!!!

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