- Oi filha, que saudade!
- Oi mãe.
- Ih, Clarice, sua voz não tá boa. O que aconteceu?
- Nada não, mãe...
- Não vai me contar?
- Quando chegar aí eu te conto.
- Tudo bem, mas eu vou ficar curiosa, faltam quinze dias
ainda pra você voltar...
- Pois é, mãe, mas eu tô com vontade de voltar antes, já
nesse domingo...
- Então venha!
- Quero ir, mas aconteceu uma coisa meio chata... Eu deixei
pra comprar a passagem de avião na última hora e acabei gastando o dinheiro que
vocês tinham me dado todo, tô sem dinheiro pra passagem....
- Não acredito, Clarice! Gastou tudo??
- Praticamente...
- Que pena, Clarice, vai ter que voltar de ônibus então...
- De ônibus, mãe? Aqui de Alagoas?
- É, de ônibus. Ou carona. Ou a pé. Sei lá.
- Nossa, mãe, você vai ter coragem de me fazer ir de ônibus?
- Não, filha, quem teve coragem foi você. Se gastou o
dinheiro da passagem de avião, como esperava voltar pra casa?
- Você vai pelo menos me buscar na... na... rodoviária?? Eu
queria te ver antes de ver o Paulo...[namorado da Clarice desde sempre]
- Claro, Clarice. (Eu te buscaria até no quinto dos
infernos, mas essa parte aí deixo pra você descobrir quando virar mãe...)
- Tá bom, mãe. [chateadíssima]. Vou ver se existe esse
ônibus aí e depois te ligo.
- Beijo, filha.
- [...].
Meio pesada com a situação, começo a divagar: “Como é
difícil deixar os filhos viverem as conseqüências do que fazem, sem aparar
muito, sem proteger...”. E bem aí a imagem dos olhos do meu último bebê me
atropela. Grandes. Azulados. Profundos. Uns pocinhos de água azul morna. A toda
hora buscavam se fixar nos meus, como se me perguntassem “e aí, mamãe, é bom
mesmo viver?” Adorei aqueles olhos como poucas coisas na minha vida.
Foi uma época complicadinha pra gente. Quer dizer, com a
distância de hoje, penso nesse tempo muito mais com ternura e saudade do que
qualquer outra coisa, mas, se escarafuncho melhor a memória e sou honesta
comigo, não tem como não me lembrar do quanto nos exaurimos quando a Clarice
chegou. A rotina de cuidar deles - todos e tantos - esfolava a gente. O
Santiago ainda muito pequeno, a Manu sempre com as suas - era complexo acomodar
tantas demandas e não asfixiar demais as minhas, comumente gordas e gulosas. Eu
não tinha tempo pra mais nada. Às vezes dar um simples telefonema pra alguém
exigia um planejamento de dias. Uma loucura [agora com vontade rir]!
Claro que também era muito bom. E não precisou se passar
vinte anos para eu me dar conta disso. Eu estava sendo feliz e sabia. Não tinha
dia em que não me deslumbrava com aquelas crianças lindas e tesas, tudo ali na
barra da minha saia, me sacudindo e requisitando o tempo inteiro, mas sobretudo
me dando a chance de uma experiência de amor sem igual.
De qualquer forma, mesmo no meio desse maremoto todo, consegui
em algum lugar certa calma para as pausas que os olhos de Clarice me pediam. E
olhava de volta loooongo pra ela. Tanto que os tenho decorados até hoje (os
olhos da minha Clarice).
Clarice se apresentou ao mundo bonita, mansa e curiosa desde
o dia em que nasceu. Simpática (muito simpática) e discreta também. Um pouco
frágil, sempre. Lembro-me bem de quando começou a sorrir lá pelos dois meses. Tentava
várias vezes ao dia. Não podia ouvir minha voz que escancarava a boca sem saber
coordenar direito os cantos da boca. Ficava toda torta, era engraçadíssimo.
Pouco mudou. Vem seguindo por todos esses anos a sua
natureza bonita, mansa, curiosa, simpática, discreta e frágil, calibrando, aqui
e ali, onde e quando isso que é seu sobra, falta, a enrola ou trai. Nos seus
vôos, venho vindo na garupa, tentando não pesar muito... Tentando (sobretudo)
não me esquecer de fechar os olhos e aproveitar bem o vento gostoso no rosto,
bom e quente, da nossa aventura de mãe e filha. Que incrível é isso de
acompanhar a existência de alguém desde o primeiro esboço. Se nada mais
houvesse acontecido na minha vida, ser sua mãe, Clarice, já teria sido
suficiente. Exato assim.
Mari abre a porta do consultório, exclamando da porta:
- Ué [há muito já perdeu o “uai” que eu adorava], o que você
ainda faz aqui?!
- Eu... eu... E você? Suas sessões não são só à noite hoje?
- É, mas eu vim buscar o Seminário XX pra reler. Peguei um
caso complicadíssimo. Aliás precisava conversar sobre ele com você...
- Mari, você se lembra da Clarice bebê? [baixinho]
- [sem ouvir] Biaaa, e que coisa é essa do João ter ido
visitar a Manú em Milão de repente, sem avisar nada pra ninguém??
- Pois é, te liguei assim que soube mas não consegui falar
com você. Almoçamos juntas? Lá te conto o que sei.
- Vamos!
[...]
Já no restaurante:
- O que aconteceu é que a Manú escreveu um email todo jururu
dizendo que não está gostando muito da faculdade de moda lá de Milão, achando
eles meio sem originalidade, e que a ralação de lavar prato em barzinho à noite
está puxada demais. Contou também que os italianos são uns babacas com ela,
sempre dando em cima de um jeito nojento, e que ainda não fez nenhuma amizade
legal. Eu vi que copiou o João. Pelo o que me contou depois, ele ficou super preocupado
com ela e, no dia seguinte, resolveu aparecer em carne e osso lá na Itália.
- Pois é, mas ele é doido, porque vai faltar a vários dias
no estágio que ele tava adorando... Não sei se podia faltar...
- Ah, mas estágio de Paleontologia na Costa do Marfim deve
ser algo pra se fazer bem devagar mesmo, Mari [risos]. E hoje em dia com esses
aviões supersônicos, ele foi da África à Itália em menos de uma hora, e nem por
tanto dinheiro assim. O mundo ficou pequeno demais, Mari... Imagina que naquela
nossa viagem pra Europa em 2000
a gente gastou mais de dez horas no avião! Hoje em dia
são 50 minutos e olhe lá. E já que ele agora tem um pai milionário, tem verba
de sobra pra essas loucurinhas...
- Quem diria, né, Bia, que o Fábio descobriria sozinho a
última mina de diamante da América Latina...
- Quem diria! E a gente há vinte anos achando que ele tinha
mania de grandeza e sonhava alto demais... E quem diria também que ele seria
mesmo o homem da sua vida, hein, Mari, e vocês viveriam tão unidos e bem todos
esses anos? Naquele começo de vocês foi tanta dificuldade...
- Opa, homem da vida não existe, Bia. Como diria a velha
Arlete, só se pode dizer “homem da sua vida” em retrospectiva...
- É verdade! E a Arlete, por onde será que anda? Outro dia
no encontro do IPB – new generation
disseram que estava internada... Fiquei preocupada. Mesmo tendo terminado a
análise com ela há tantos anos, acho que a morte dela me abalaria horrores!
- Ah, mas ela já saiu do hospital, pois semana passada a
encontrei numa livraria, esqueci de te contar... Tá velhinha, acho que já beirando
os 90, mas firme. E com aqueles olhos brilhantes de sempre [desses que se ganha
o par ao se encontrar na vida]. Ela não me viu e eu preferi não falar com ela
quando, ao bisbilhotar o que estava folheando, vi a capa do livro. Tá sentada??
Você não vai acreditar qual era!
- O nosso!
- Exatamente, ela estava comprando o nosso livro! “A justiça
no divã: a desventura no território do excesso”, de Gabriela Jardon e Mariana
Távora.
- Jura! Nossa... Viu, até ela tem suas curiosidades não
muito lacanianas! Arlete...Quanto ela representou pra nós duas, né? Demos
sorte, foi uma grande psicanalista. Segurou nossas ondas na unha. Conduziu
lindamente as análises. Sob a batuta dela – acho que não é exagero dizer – a
gente reescreveu muita coisa, conquistou uma vida mais autêntica, mais livre,
centrada no nosso desejo. Ela verdadeiramente “circuncidou” a gente, Mari, desgrudou,
tanto quanto possível, a gente do Outro. Pode ter algo mais importante que
isso? Não há. Nem saúde, nem prazer – chego a dizer que nem a própria felicidade
-, nada me parece mais vital do que se aprender a viver a partir e em
consonância com o que se é.
- Engraçado... Isso me lembra a definição de amor de Saint
Exupéry:“Amar é conduzir alguém delicadamente de volta a si mesmo.”
- Isso mesmo! Tá vendo que coisa linda? A psicanálise nunca
fala de amor, mas, se você for ver, é amor, sim, pois a boa análise não passa
disso, da recondução de alguém a si mesmo. Só não costuma ser tão delicadamente
assim [risos]. Sabe, Mari, eu fui feliz como juíza. Fui mesmo. Sentia um tesão
danado nessa tentativa cotidiana de aproximação da justiça. A justiça é uma coisa
bonita. Mas é algo menor, bem menor, quando se pensa no amor, quando se pensa
nesse amor da forma como definida Saint Exupéry, esse que conduz alguém a ele
mesmo – e que pra mim é a essência de uma análise. Trabalhar com isso hoje pra
mim é o que de melhor podia me acontecer. E eu sei que pra você também. By the way, tô pra te falar isso há
tempos... O brilho do olho da Arlete... Esse brilho pousou nos seus olhos, Mari!
Eu vi isso acontecendo, e reparei!Muito legal toda essa guinada que a gente
conseguiu dar. Muito legal ter passado por tudo isso com você.... Aliás, cadê
nosso espumante? Um brinde a tudo isso!
- [...]
- Mas deixa eu acabar de te contar da Manú e do João... Você
sabe o que ela me escreveu ontem? Disse que tudo continuava meio mais ou menos
por lá, mas pelo menos nesses dias ela estava tendo a mão do João pra apertar
antes de dormir! Você se lembra dela pequenininha, que só dormia apertando na
mão de alguém? [com os olhos cheios d’água]. A Dora também era assim, se
lembra?
- Lembro... Que bonito isso deles... Será que agora eles
engrenam de vez?
- Não sei não... Ela insiste em me dizer que ele é só seu
“amigão”. Engraçado que chega a usar as mesmas palavras que eu usava para dizer
a ela, quando tinha uns quatro anos e vinha com o papo de que era a namorada do
João, que ele por enquanto só era seu amigo... E sabe de uma coisa, Mari? Uma
amizade dessas é mais rara do que um amor. Deixa estar.
- É verdade... E os preparativos pra sua viagem?
- Ah, estamos a toda. Ano que vem a gente zarpa. Pelos menos
uns dois anos dando a volta ao mundo, só eu e Patrick. Claro, esperamos
encontrar as crianças e quem mais quiser por aí, mas será um tempo de soltar as
velas e... ir, sem eira nem beira, voyerizando o mundo por aí. Fico louca
de emoção com um negócio desses, a gente tá super empolgado!
- E os meninos, vão ficar sozinhos mesmo?
- Mais ou menos. Minha mãe tá lá nos fundos da nossa casa na
casinha que construímos pra ela. A Carol mora no conjunto de cima hoje em dia, com
aquele marido rico que tem, com os gêmeos dela e seu séquito de empregados, uma
superestrutura... Eu não podia deixar gente mais atenta pra ficar de olho no San
e na Clarice. E depois... Cresceram, né, Mari. A gente tentou colocar no input deles o melhor do que sabíamos e
podíamos esses anos todos. Agora é com eles.
- E o San, cadê ele?
- Enrabichado de novo. Mulherengo demais. Essa coisa de
homem canceriano, não escapou. E bonito daquele jeito... Mas, tá lá, fazendo a
faculdade dele, cuidando das velhinhas da família [risos]. Acredita que todo
santo domingo vai até o Gama visitar a Vera? Não falha uma vez. E, quando chega
em casa, vai direto ver minha mãe, com quem tem um xodó desde bebezinho, lembra?
Faz o supermercado dela, a leva no médico, faz tudo o que pede. Não precisa nem
dizer que é a paixão da vida dela.
- Mari, e a Dorinha? Esses dias ela me ligou pra saber como
fazia pra falar com a Clarice lá nessa praia em que ela está, disse que ela não
atendia o celular...
- Então, parece que ela falou com a Clarice e combinou tudo,
estão indo na segunda pra lá ficar com ela. Vai ela e a Gabi da Thaissa.
- Na segunda?? Ué, a Clarice acabou de me ligar e disse que
queria voltar domingo... Bem que ela estava esquisita no telefone... Tem alguma
coisa errada acontecendo, Mari... A Gabi vai? Que bom! Outro dia encontrei o
Rafa. Fui fazer um happy com um
pessoal de umas editoras aí tentando vender o meu peixe e ele estava lá,
rodeado de gente, contando piada, as pessoas hipnotizadas por ele... Foi só me
ver e gritou “tia Bia!” Me fez tomar um chopp com ele, queria saber do Patrick
(sempre gostou do Patrick). Impressionante, desde pequeno é essa explosão de
energia e simpatia, né?
- E com um humor muito afiado! Também com os pais que tem! E
a Thaissa, onde anda hein?
- Ah, depois que eles se aposentaram, ela não consegue mais
segurar o Ricardo aqui. Vivem viajando. Por esses dias estão com o Alécio em Mônaco. O Felipe
é o novo embaixador do Brasil lá.
- Ah é, você já tinha me falado. Bom, Bia, preciso ir
andando, o meu paciente complicado tem sessão às seis e eu quero me preparar melhor
pras bombas que ele vem soltando. Aliás, acabou que nem falamos disso.
- A gente nunca esgota os assuntos, Mari... Vai ver que esse
é o segredinho das amizades eternas, ter sempre umas pautas pendentes... (;
- Deve ser! Por falar nisso, ano que vem, pelas minhas
contas, a gente faz 40 anos de amizade...
- Ih, Mari, não conta isso pra ninguém não! É tempo
demais!!! Outro dia me deram no máximo 50 anos de idade... Fiquei felicíssima!
Se souberem que eu tenho amizades de 40 anos e que não começaram propriamente
na infância... [às gargalhadas e pensando em ter que avisar a Thaissa urgentemente
que já temos mais de 30 anos como amigas e agora, definitivamente, não
precisarmos mais mentir... Ou será que agora sim é que precisamos?!]
- Vamos, eu te deixo no consultório.
[...]
Chegando no consultório, meu coração apertou pensando de
novo na Clarice. Resolvo telefonar:
- Clarice?
- Oi mãe.
- Filha, o que há de errado? Tô com o pressentimento que
alguma coisa tá acontecendo contigo.
[longa pausa]
- Clarice? Tá me escutando?
- Mãe, eu e o Paulo... Mãe, eu tô grávida.
- [...]
- Mãe?
- [...]
- Mãe, fala comigo, fala alguma coisa. Eu tô em pânico!
- Vou comprar sua passagem de avião agora mesmo. Quero te
ver o mais rápido possível, filha.
[...]
No dia seguinte:
- Sabe o que não me sai da cabeça desde ontem, Clarice,
quando você me deu a notícia? Que há vinte anos eu também me senti aterrorizada
com a notícia de que estava grávida de você. Essa noite não dormi, tentando não
só digerir o que te aconteceu, mas também entender a associação inconsciente
que estou fazendo dessas duas notícias de gravidezes inesperadas, a minha e a
sua. Além do que há de óbvio em comum, estava me parecendo que tinha mais coisa
por trás e eu acho que consegui descobrir.
- Como assim, mãe?
- Quando soube que estava grávida de você, me lembro que foram
dois ou três dias só chorando. Claro que por razões diferentes das suas agora.
Eu era casada, mais velha, já era mãe, tinha um emprego bom. Mas sofria pelo
imprevisto, pelo susto, por ter sido pega tão no contrapé pelo o que não foi
planejado, pelo o que não consegui controlar. Me sentia mal me achando uma
completa idiota por não ter me precavido, por ter deixado isso acontecer.
Chorava pelo San que perderia o meu “colo” tão novinho, pela Manu que levaria
outra paulada com mais um bebê na casa, pela trampeira que seria ter três
filhos etc.
- E aí?
- Aí que eu acho que o meu medo de então e o seu medo de
agora, apesar de terem razões aparentemente diferentes, são, na verdade, o
mesmíssimo medo. E também a mesma vaidade.
- [...]
- A vaidade ferida de não ter controlado o que,
aparentemente, era possível controlar. E o nosso medo é o medo de o que somos,
do jeito que somos e da forma que somos, não dar conta do que veio a ocorrer na
nossa vida, no caso, a vinda desses filhos. O medo de não conseguirmos e aí
envergarmos e aí quebrarmos, talvez morrer. Medo de morrer - no fundo. Não
propriamente o morrer literal, mas também o morrer que é metáfora de se perder a
vida como é, como estamos acostumadas.
- Ai, mãe, esse seu papinho psicanalista às vezes é
complicado demais.
- Eu sei. Mas essa sou eu, sempre com “papinhos
psicanalistas” [risos]... Aliás, sem querer, acabei adiantando o que mais queria
te dizer.
- O quê, mãe? [um pouco impaciente]
- Contra esse medo só
há uma luta possível: “comparecer com o seu ser.”. Essa é uma antiga frase da
minha psicanalista que, só eu sei, já me alavancou de muita coisa. E se aplica
totalmente aqui. O antídoto para esse medo do novo (mais: do novo que não foi
previsto), o medo de não ser o suficiente, não saber o suficiente, não
conseguir o suficiente, que vem junto com o medo também da mudança, é - e aí
vai outra frase antiga, mas dessa vez daquela escolinha que a Manu fez o jardim
de infância – “fazer do seu jeito”. A Manu, quando era pequena, vivia me
repetindo isso. Eu dizia “Manu, faz isso direito”. Ela respondia “mamãe, eu vou
fazer do meu jeito e também vou conseguir.” Eu ficava sem resposta.
- Então...
- Então, filha, eu virei sua mãe, tive três filhos, os dois
últimos com muito pouca diferença de idade, e fui criando vocês “do meu jeito”.
Tinha dia que dava, tinha dia que não dava (e aí só me restava esperar o outro
dia chegar). Aos poucos fui aprendendo que, ao invés de ficar olhando pro
vizinho pra ver se estava fazendo certo ou errado, tinha era que concentrar
minha energia em buscar cada vez mais “o meu jeito” de levar a coisa, sem me
comparar com ninguém. Claro que um jeito que pode e deve muitas vezes ser
melhorado, e muitas vezes a forma de se melhorar é exatamente olhar pros lados
e ver como os outros andam fazendo. Mas isso é distinto de se medir a partir do
olhar do Outro, me sentindo mal por ser diferente.
- E aí?
- E aí que deu certo. Foi dando, vem dando. Talvez em muitas
coisas eu dei uma volta bem maior do que o necessário. Ou não cheguei lá tanto quanto
queria ou quanto fosse o ideal. Mas vivemos, um dia depois do outro, tombando,
levantando, às vezes rastejando, de vez em quando correndo, dançando. Enchemos
uma vida. E mais ou menos bem, como você mesma sabe.
- É... Nossa casa sempre foi uma casa boa de se estar. E não
tem de quem eu goste mais na vida do que você, papai, San e Manu. Gostar, não
só amar. Amar a gente ama muitas vezes só por que tem a ligação de sangue
mesmo. Mas de vocês eu gosto, eu curto, eu quero estar perto, quero ser
companheira.
- Escute, minha filha: se você se esforçar agora para
descobrir a mãe que existe dentro de você, uma mãe única que não é igual a
ninguém, uma mãe cheia de peculiaridades, boas e ruins, e possibilidades e
impossibilidades também, o medo vai virar potência e todas estas circunstâncias
ruins da sua gravidez vão ser acomodadas, mais tempo, menos tempo.
- Mas, mãe, sabe o que me bate também? Uma dor enorme por
tudo o que eu vou perder sendo mãe agora...
- E vai perder mesmo. Não só agora, mas em qualquer idade,
perderia. Mas vai ganhar, Clarice. Vai ganhar muito, filha. Eu tenho certeza do
que digo e queria que você também tivesse. Mas isso aí você terá que descobrir
por si mesma, abrindo esse baú que está prestes a abrir agora, experimentando
ao que a vida te convida. Abra. Diga sim, filha. É o que de mais importante
tenho pra te dizer.
- Ai, mãe... [soluçando]
Ancorada no meu colo, depois de muito choro, Clarice dispara
aqueles olhos para mim mais uma vez. Mesmo crescidos (adornos agora de uma
mulher inteira) e no momento inchadíssimos, são os mesmos olhinhos do meu bebê,
aqueles que me perguntavam, que me buscavam desde o primeiro dia. Sim, filha, é
bom viver. E vai continuar sendo. Do seu jeito.
ai, ai, ai, logo hoje, ler isso pra me reforçar o quanto estamos juntas no nosso comboio, esse que vive perdido nas palavras, nas distrações e, mais do que nunca, no amor.
ResponderExcluirAi ai ai digo eu, no meio de uma tarde com estresses até a tampa da panela e agora tendo que lidar com estas gotinhas de água salgada que teimam em não parar de cair dos meus olhos.... missing you both <3
ResponderExcluirNossa, Bia... Quanta sensibilidade... Fico aqui me perguntando como eu não te conheci antes? Quando vi vocês naquele momento inusitado senti que tinha alguma coisa muito especial por trás daquela simples "cena bonita"! E não é que tinha mesmo? Muito lindo, seu blog. :-)
ResponderExcluirPerfeito!!! Sou fã dos seus textos...
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