Com a morte de
Gabriel Garcia Marquez apareceu por aí a frase que ele teria dito quando
levou um murro de Mario Vargas Llosa: "são as diferenças".
Las diferencias... Se temos uma coisa em comum é a nossa diferença. Entre nobéis, entre mortais, entre todos. Alguém já disse e eu sempre me lembro: "mesmo entre as pessoas mais íntimas, abismos insondáveis".
A impressão digital
dos dedos, o desenho da íris, dizem, são provas dessa radical unicidade de cada
ser. Mais ainda, eu acrescentaria, o convívio. Os super convívios, os esparsos,
os de só dez minutos: todos desafiados pela diferença. Também
magnificados, mas isso vem mais para o final (do texto. De uma vida também?
Melhor que não.).
"Narciso acha feio o que não é espelho" foi uma grande sacada de Caetano. O diferente de nós nos parece feio porque incomoda e incomoda porque faz a gente colocar um pezinho (ou ser defenestrado violentamente, tantas vezes) para fora do nosso confortável (ps: também tão perverso) narcisismo. Um narcisismo que ganha em nós tamanho proporcional à insegurança do EU que ele tenta amarrar. Como inseguranças terríveis dão mais que xuxu na serra, fico só imaginando a quantidade de narcisões bombados e narcisas panicats rodando por aí. Medo!
Pois o diferente nos bota pra pensar sobre as nossas coitadas certezas, feitas, várias delas, de um arame tão fraquinho que ao menor espirro do outro o edifício pode vir abaixo. Como não se defender ferrenhamente de uma ameaça dessas? Não só com unhas e dentes, mas um punhado de preconceitos também pode ser bem útil - aliás, certeza que todo preconceito deita raízes aí.
Sem falar da
maledicência - ah, que essa precisava de um post, um livro, uma
enciclopédia, uma biblioteca inteira tamanha é a sua expressão em ser
sintoma da trombada com a diferença. Não basta rejeitar o diferente;
para se livrar de vez do bicho-papão a estratégia por excelência
é pichá-lo para deus e o mundo, e nisso somos mestres.
Conheço gente -
você também, sem dúvida - que falam mal da mesma pessoa há anos e pelos mesmíssimos
motivos. Sem falar dos que falam mal de quase todo mundo. Fosse só feio, mas
acabam sendo também uns chatos.
Fico a pensar
nessa insistência - porque essa repetição toda, é claro, está a dizer algo. Do
que fala, não do(s) falado(s) - óbvio também. Como é possível ainda não ter
desconfiado, nem um pouquinho, da inabalável verdade que
sempre está a sair dos seus mais lindos lábios*?
Não vai desconfiar
nunca, a não ser que decida encarar o pânico de altura que o abismo insondável do outro
provoca na gente. Não desesperar. Não fugir desbaratado. Não se fechar em copas.
Não dar um murro. Mas ousar se debruçar um pouquinho sobre esse abismo, depois
mais um pouquinho, e talvez mais um pouquinho de novo. Devagar. Com olhos bem
abertos. Coração. Com mais curiosidade que qualquer outra coisa. Generosidade também ajuda.
E então, conta aí
o que é que dá para ver desde esse lugar?
Deixa eu imaginar.
O abismo continua firme e forte. Ok. Mas, opa, o que é aquela coisa
comprida ali que vai até o outro lado? Uma ponte? Uma
ponte! A paúra da altura quase que não te deixou ver. Enferrujada,
empoeirada, meio cansada de esperar, mas lá está ela pra, ao seu menor comando, te conduzir ao
outro lado (da história) e atravessar mão-a-mão contigo as suas inseguranças. As banais, as novas, as
de sempre, as estruturais. Não vai ter muito como não as levar na bagagem, sabe, mas põe o pé na ponte que elas já não te brecam mais.
A diferença do
outro e no outro que, a princípio, tanto assusta/machuca/enoja guarda essa surpresinha
para os corajosos: encarada com vagar, curiosidade, olho e coração abertos e generosos, lança a jornada da gente a planos mais
altos. E, desde lá de cima da ponte que se descobre poder haver entre mim
e o outro, a vista parece ser incrivelmente mais bonita, rica, completa, e eu
diria até divertida.
A quem consegue se aventurar assim no estranho território do outro, a esse sim, eu daria o meu Nobel.
A quem consegue se aventurar assim no estranho território do outro, a esse sim, eu daria o meu Nobel.
*aqui aspas para o
ótimo livro de Marçal Aquino que outro dia me caiu nas mãos "Eu receberia a pior notícia dos seus lindos
lábios". Pra quem ficou curioso com esse título: irmandadedevenus.blogspot.com.br
Será que há uma ponte das nuvens onde trepida meu avião, aquele avião enoooorme, que costuma enxergar que a trilha é só o abismo?
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