Foi uma época estranha. Foi um tempo de objetos de ruídos profundos. Foi num
lugar desenhado num mapa.
Os olhos dela pareciam caçar aviões em vôo. Ela gostava de se deter nas aterrissagens.
O ensurdecedor barulho daquele momento transformava-se numa cena quase silenciosa:
o roçar de seus pés na grama para experimentar a umidade da terra entrar por
entre as crescentes rachaduras de seus calcanhares. Era o único lugar onde sentia
que nada caia. De suas pernas nasciam raízes profundas que a deixavam como que
plantada. Mas aviões caíam, como todo ser humano, desde bem pequeno. Ao pensar
nisso, rezava imaginando uma fé muito particular, a fé dos que acreditam em
aviões que nunca caem. E ao tomar fôlego, entre uma oração e outra, lembrava-se
que a maior parte do tempo fora cética.
Interessavam-lhe muitíssimo insetos gordos e o modo lento como se moviam
no asfalto quente. O trajeto que faziam imediatamente a remetia aos mapas que gostava de desenhar em papel
manteiga quando criança. A sensação que lhe vinha ao corpo era o escorrer dos
dedos da mão direita sobre o pó do lápis de cor. Havia um vai e vem que aos
poucos dava vida ao mapa, que emergia com montanhas, planícies e rios. A
geografia do cotidiano era em tudo semelhante àqueles traçados: uma imensidão
delimitada por desgastes, erosões e acumulações, que costumavam esquadrinhar caminhos.
Comum que alguns dessem em encontros. Outros não tinham destino que não o fim.
Era quando tudo se dissolvia. Será por isso que cenas de catástrofes lhe invadiam
os sentidos com frequencia? Que mundo era aquele, que não mais em pangéia,
clamava por mais e mais fissuras. Uma onda de desamparo irrompia e lhe ardia a
pele. O seu andar distraído vinha em socorro. Aparecia alegórico e a levava
para dentro do mapa, aquele onde desde pequena aprendeu a viajar. Foi, assim,
que ela desapareceu.
"A geografia do cotidiano era em tudo semelhante àqueles traçados: uma imensidão delimitada por desgastes, erosões e acumulações". Gostei!!!!
ResponderExcluirUm elogio seu é "o elogio".
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