quinta-feira, 25 de abril de 2013

Leves, livres, soltos e sujos


Faz algumas semanas que notei que meu cachorro, mesmo em dias de chuva, só sai da varanda da janela do meu quarto quando a luz se apaga. Isso me comoveu a ponto de mimá-lo não só com mais carinho, mas também com a compra de alguns badulaques modernos de “pet shops”. Tenho que admitir que depois da “era materna” meus cachorros passaram a ser criados à moda dos anos oitenta. Explico. O “cachorro anos oitenta”, nas exatas palavras da minha parceira de blog Gabriela, é aquele cachorro criado com digamos bem poucas frescuras. Come ração com discretos detalhes na embalagem. Ele também dá conta de triturar ossos de restos de almoço e o banho, se não tiver shampoo, segue com o tradicional sabão de coco. Ele costuma se refestelar na terra e pode acontecer de comer alguns bichinhos do mato pra relembrar seus instintos, como bom animal que é. E quem o conhece e o vê tão livre sabe que ele costuma ser bem feliz.
Confesso que ao pensar no cachorro anos oitenta imediatamente me vem à cabeça o jeito de criar crianças da atualidade. Deixo claro que não estou comparando crianças com cachorros. Aliás, comparações são sempre muito chatas e cabem bem só lá nas pesquisas científicas. Apenas quero dizer que o sintoma social atual da perfeição resvala para todo tipo de cuidado, seja com crianças, seja com cachorros. E com crianças a obsessão, não tenho dúvida, é ainda maior. Da alimentação ultra balanceada à escola perfeitinha, do pediatra rigoroso até mesmo com chupetas à festa de aniversário nos trinques, da viagem adequada à faixa etária da criança aos brinquedos para estimular isso e aquilo. Quem paga a conta de tanta exigência? Nós todos. Nossos filhos também, nos entregando um cheque talvez cifrado de muita ansiedade. E por isso, cá do meu cantinho de atual dona de cachorro anos oitenta, talvez por pura pressão da falta de tempo, começo a pensar o quanto nossos filhos ganham com esse jeito “easy going” que ficou lá pra trás. Porque nenhuma criança teve sérios danos físicos e psíquicos por beber mingau até três anos de idade, por usar chupeta até quatro anos, por tomar banho de chuva na piscina, por ficar sujinha e sem tomar banho num dia qualquer, por passar um dia de domingo comendo porcaria, por rolar na terra só para saber a sensação que isso dá.
A conta de quem vive com menos paga-se com leveza. Essa lição eu queria ter praticado desde o primeiro dia do nascimento do meu primeiro filho. Só que tive que reaprendê-la. Pra falar a verdade ainda a aprendo todos os dias e com bons professores. O primeiro deles é meu marido, que nas suas andanças por esse Brasil de dentro, me ensina, às vezes de modo “brabo”, que crianças necessitam de muito menos do que imaginamos. O segundo deles é minha amiga irmã Gabriela, que não é lá dada aos matos da vida, mas não perdeu ao longo dos anos o velho instinto e por isso sabe bem que crianças precisam mais de um par de olhos e ouvidos atentos do que de uma parafernália de cuidados. Melhor então não cuidar de tudo, que tem custo alto demais, mas sim do essencial, que não raro é invisível aos olhos e por isso mais difícil de ser compreendido e assim verdadeiramente cuidado.
 

2 comentários:

  1. O pior é que a síndrome da perfeição é tão geral que até aqueles que optam por levar uma vida mais "ao natural" comumente se tornam tão xiitas, tão ditatorias no que pode e não pode, que caiem numa contradição incontornavel. Esquecem que nada mais humano (e portanto natural) que nao ser perfeito; mais: nao se pautar pela perfeição. Eu me lembro uma vez na Chapada procurando lugar pra dormir. Depois de levar umas três, quatro portas na cara, e grosseria dos "pode-crer" que nos atenderam, eu pensei o quanto tinham a ritualistica, o discurso de uma vida que cintradiga os demônios da atualidade (pressa, estresse, desumanizacao das relações) e, no entanto, se mostraram mais nervosos e angustiados do que muito yuppie da avenida Paulista. Claro que nao é a regra, mas as vezes vejo a liberdade e o sossego, a paz, ate nas posturas que essencial e teoricamente mais as enaltecem, se perdendo muito em nome de uma disciplina, uma rigidez (cuja promessa no final é te trazer paz, sossego e liberdade). O meio corrompe o fim. E o mesmo com mães: se duvidar as mais estressadas são as mais naturebas (sem nada pejorativo). Enfim, rola uma incoerência grande. E, como vc disse, no casso da mãe, a conta pesada é dividida com quem nao teve a mínima escolha: as crianças. E resumo, eu acho que comer legume é ótimo pra toda criança; mas tenho certeza que perceber uma mãe mais relaxada e mais à vontade na vida é zilhões de vezes mais crucial pra saúde de qualquer um. Normalmente as duas coisas nao vao se excluir, mas se tivermos que fazer uma opção entre mostrar o por do sol pra um pequeno ou correr pra dentro de casa porque esfriou e esquecemos o casaco...

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  2. Muito legal, Mari! É interessante como ser mãe é sempre um aprendizado...
    bjs, Cata.

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