Faz algumas semanas que notei
que meu cachorro, mesmo em dias de chuva, só sai da varanda da janela do meu quarto
quando a luz se apaga. Isso me comoveu a ponto de mimá-lo não só com mais
carinho, mas também com a compra de alguns badulaques modernos de “pet shops”. Tenho
que admitir que depois da “era materna” meus cachorros passaram a ser criados à
moda dos anos oitenta. Explico. O “cachorro anos oitenta”, nas exatas palavras
da minha parceira de blog Gabriela, é aquele cachorro criado com digamos bem
poucas frescuras. Come ração com discretos detalhes na embalagem. Ele também dá
conta de triturar ossos de restos de almoço e o banho, se não tiver shampoo,
segue com o tradicional sabão de coco. Ele costuma se refestelar na terra e
pode acontecer de comer alguns bichinhos do mato pra relembrar seus instintos,
como bom animal que é. E quem o conhece e o vê tão livre sabe que ele costuma
ser bem feliz.
Confesso que ao pensar no cachorro
anos oitenta imediatamente me vem à cabeça o jeito de criar crianças da
atualidade. Deixo claro que não estou comparando crianças com cachorros. Aliás,
comparações são sempre muito chatas e cabem bem só lá nas pesquisas científicas.
Apenas quero dizer que o sintoma social atual da perfeição resvala para todo
tipo de cuidado, seja com crianças, seja com cachorros. E com crianças a obsessão,
não tenho dúvida, é ainda maior. Da alimentação ultra balanceada à escola perfeitinha,
do pediatra rigoroso até mesmo com chupetas à festa de aniversário nos
trinques, da viagem adequada à faixa etária da criança aos brinquedos para
estimular isso e aquilo. Quem paga a conta de tanta exigência? Nós todos.
Nossos filhos também, nos entregando um cheque talvez cifrado de muita
ansiedade. E por isso, cá do meu cantinho de atual dona de cachorro anos
oitenta, talvez por pura pressão da falta de tempo, começo a pensar o quanto
nossos filhos ganham com esse jeito “easy going” que ficou lá pra trás. Porque nenhuma
criança teve sérios danos físicos e psíquicos por beber mingau até três anos de
idade, por usar chupeta até quatro anos, por tomar banho de chuva na piscina,
por ficar sujinha e sem tomar banho num dia qualquer, por passar um dia de
domingo comendo porcaria, por rolar na terra só para saber a sensação que isso
dá.
A conta de quem vive com menos
paga-se com leveza. Essa lição eu queria ter praticado desde o primeiro dia do
nascimento do meu primeiro filho. Só que tive que reaprendê-la. Pra falar a
verdade ainda a aprendo todos os dias e com bons professores. O primeiro deles
é meu marido, que nas suas andanças por esse Brasil de dentro, me ensina, às
vezes de modo “brabo”, que crianças necessitam de muito menos do que
imaginamos. O segundo deles é minha amiga irmã Gabriela, que não é lá dada aos
matos da vida, mas não perdeu ao longo dos anos o velho instinto e por isso sabe
bem que crianças precisam mais de um par de olhos e ouvidos atentos do que de uma
parafernália de cuidados. Melhor então não cuidar de tudo, que tem custo alto
demais, mas sim do essencial, que não raro é invisível aos olhos e por isso
mais difícil de ser compreendido e assim verdadeiramente cuidado.
O pior é que a síndrome da perfeição é tão geral que até aqueles que optam por levar uma vida mais "ao natural" comumente se tornam tão xiitas, tão ditatorias no que pode e não pode, que caiem numa contradição incontornavel. Esquecem que nada mais humano (e portanto natural) que nao ser perfeito; mais: nao se pautar pela perfeição. Eu me lembro uma vez na Chapada procurando lugar pra dormir. Depois de levar umas três, quatro portas na cara, e grosseria dos "pode-crer" que nos atenderam, eu pensei o quanto tinham a ritualistica, o discurso de uma vida que cintradiga os demônios da atualidade (pressa, estresse, desumanizacao das relações) e, no entanto, se mostraram mais nervosos e angustiados do que muito yuppie da avenida Paulista. Claro que nao é a regra, mas as vezes vejo a liberdade e o sossego, a paz, ate nas posturas que essencial e teoricamente mais as enaltecem, se perdendo muito em nome de uma disciplina, uma rigidez (cuja promessa no final é te trazer paz, sossego e liberdade). O meio corrompe o fim. E o mesmo com mães: se duvidar as mais estressadas são as mais naturebas (sem nada pejorativo). Enfim, rola uma incoerência grande. E, como vc disse, no casso da mãe, a conta pesada é dividida com quem nao teve a mínima escolha: as crianças. E resumo, eu acho que comer legume é ótimo pra toda criança; mas tenho certeza que perceber uma mãe mais relaxada e mais à vontade na vida é zilhões de vezes mais crucial pra saúde de qualquer um. Normalmente as duas coisas nao vao se excluir, mas se tivermos que fazer uma opção entre mostrar o por do sol pra um pequeno ou correr pra dentro de casa porque esfriou e esquecemos o casaco...
ResponderExcluirMuito legal, Mari! É interessante como ser mãe é sempre um aprendizado...
ResponderExcluirbjs, Cata.