Dentro
de casa, Ana escutou Juca chamá-la : “mamãe, corre, vem ver um tucano.” A mãe
saiu apressada e logo chegou ao quintal. Disse a Juca: “onde, filho?”. Ele
apontava pra cima, mas Ana tinha dificuldades para encontrar o pássaro. Juca
saltava e com os dedos apontados para o alto, falava: “há muitos”. Notando as
inúmeras rotações desencontradas da mãe, Juca pegou-a pelas mãos e a conduziu
para um local onde ela pôde avistar um só tucano. O “um” que lhe rendeu o
infinito porque o que Ana viu há tempos seus olhos não enxergavam. Naquela cena
havia um mundo decantado do peso do olhar treinado para obviedades. Ali quem
ditava a regra era o detalhe, que só a lentidão era capaz de trazer. O que
reinava era o melódico ruído de folhas de mangueiras e um tucano sobre galhos
retorcidos. Coisas desimportantes podiam ser mesmo encantadas, como falou o
poeta Manoel de Barros.
Noutro canto de mundo, Bruno se
cansara de procurar os pardais que costumavam pousar nos fios de eletricidade
da estreita rua onde morava. Seu olhar acostumara-se com a tela de televisão,
que lhe rendia risos mecânicos diante das travessuras de seu herói pica-pau.
Absorto na sua lassidão, era a mãe quem tinha o hábito de chamá-lo. E como de
costume, numa noite recém anunciada, a mãe disse: “vem dormir, menino.” Num
pulo, Bruno chegou até a cama da mãe, que ficava no canto do apertado quartinho
onde moravam. Aninhou-se ao corpo dela e antes do sono virar sonho, escutou a
porta ranger. O pai veio cambaleando e arrancou a mãe com violência da cama. O
menino pegou uma das mãos da mãe, mas não conseguiu conduzi-la até a rua onde
imaginou pousar dezenas de pardais. Foi atingido por um tapa. E a mãe não pôde
enxergar um só pardal que fosse. Coisas importantes podiam ser mesmo desencantadas,
como se leu num processo criminal qualquer.
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