sábado, 12 de outubro de 2013

Encriançando

Não demorou muito e, depois que virei mãe, vi que ou eu tirava o pó da criança que fui ou a coisa ia ficar feia pro meu lado. Só ela, só essa minha criança, conseguiria se entender bem (bem de verdade) com a outra criança que tinha aparecido na minha vida. Quanto mais a adulta se calava e ouvia essa criança que ainda sussurra uma vozinha de vez em quando no meu ouvido, melhor ficávamos, eu e minha filha. Quando eu perdia a bússola de mim criança, meu passo de mãe desandava, deixando que regras, conselhos, exemplos dos outros, esse tipo de coisa toda viesse martirizar. Mas, quando, cansada de razão, a criança de dentro de mim ganhava espaço, essa sabia tudo do meu bebê e, se não soubesse, inventava, coloria, recortava. Essa criança de dentro entendia a minha de fora, como uma velha conhecida; sabia do que ela mais precisava; me dizia o que fazer com ela e, especialmente, o que fazer dela; sabia-lhe os medos e as alegrias, tinha a sua mesma lógica, seu tempo sem pressa, seu egoísmo perdoado. Aprendi: só o adulto que ainda tem sua criança  próxima de si vive em paz (paz de verdade) com uma outra criança ao seu lado. Podem reparar.
Mas não foi só a minha criança que foi resgatada quando me talhei mãe. Uma coisa ainda mais importante parece ter vindo de brinde: o resgate, no meu olhar, da criança de todos os outros.
Rolar a barra do FB essa semana e ir vendo as fotinhas dos amigos e conhecidos quando crianças me fez lembrar disso que saquei ao chegar tão perto de uma criança quanto uma mãe chega: ser criança não é só o começo de todo mundo; é a essência de todo mundo. Curioso, explorador, divertido, sincero, transparente, cheio de amor pra trocar, inocente, alegre. Muito prazer. Sou eu. É você. Podemos acreditar.
Muito Poliana?
Provável, mas, pra mim, hoje, dentro do mais mal-humorado dos homens, da mais babaca das chefes, do mais egoísta vizinho, da colega competitiva, do amigo sempre sacaninha e até da sogra maldosa etc. etc. etc. (bota etc. nisso), nada mais, nada menos, do que uma criança guardada no fígado, tocando o terror, fazendo birra, gritando por atenção, perdida, desorientada, apavorada, irritada, com medo dos monstros do seu quarto, cansada sem conseguir tirar o seu cochilo, com saudade da mãe que foi trabalhar, implorando um colo. Sim, acho que é verdade: a maior parte de nós, com os anos, só fica mais alta mesmo. De essencial, pouco muda.
E o que se faz com uma criança fora do prumo, histérica? Respira, respira, respira. Depois, olhos nos olhos, a gente faz o que deve fazer, mas ninguém, em sã consciência, é capaz de ficar seriamente magoado com aquela criança pelo seu mau comportamento por mais de cinco minutos. Dá raiva, dá um monte de coisas, mas, por não poder haver essa responsabilização toda, tudo passa muito rápido.
Não quero dizer que em relação a um adulto a gente não pode/deve responsabilizá-lo pelo "mau comportamento". É lógico. Aliás, é essa mesmo a linha divisória: a possibilidade de um adulto ser responsabilizado por seus atos e uma criança não - e não há coisa mais xarope do que os eternos Peter Pans, irresponsáveis e irresponsabilizados, que estão por aí.
Mas, olhando as carinhas sapecas do meu timeline dessa semana, aquelas estampas das crianças todas que fomos e ainda somos, penso que estamos sempre a levar a sério demais uns aos outros e a nós próprios. Responsabilizamo-nos e responsabilizamos demais, nos minando de tanta culpa, nos matando de tanta mágoa. É tiro pra tudo quanto é lado, rompimento, uma confusão danada.
Fico pensando que se a gente conseguisse, logo ali depois do respira-respira-respira, espiar numa brechinha do tempo a criança contrariada que está por trás desse olhar duro e trejeito arrogante do adulto na nossa frente, o que nos arrebatará é a compaixão - leveza também, de troco.
Sem falar na vontade de, conformados com o brinquedo que vai ter que ser mesmo dividido (não tem jeito), continuar a brincadeira. 



Um comentário:

  1. Bia, a eterna moleca, que deixa seu vestido ser colado por folhas e flores, numa naturalidade que só se vê em crianças. Como gosto disso.

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