No quintal do Juca havia uma árvore tortinha. Num dos galhos,
era fácil enxergar o ninho de um passarinho chamado Levi. Levi gostava de voar
só naquele quintal. Não era lá dado a outros cantos. Diziam ser um pássaro pacato.
Pra Levi não havia festa melhor do que o quintal se colorir com as flores que
brotavam das roseiras.
Corria entre a bicharada um apressado boato. Diziam que o quintal do
Juca havia sido esquecido pelo tempo. Que engano! A vida ali girava e muito.
Porque não é qualquer quintal que recebe visita de cobra. No dia que ela
apareceu foi um alvoroço. Era bicho com medo, bicho curioso, bicho espantado. A
pobre da cobra, que era boa gente, achou por bem se aquietar e fazer o que mais
gostava: observar. Foi, então, que notou que o passarinho Levi tinha as penas
mais lindas que havia visto na vida. Eram penachos que a fizeram lembrar do seu
maior desejo: uma saia colorida para a festa da primavera.
Como desejo não é coisa que se deva guardar em gaveta, a
cobra logo teve a idéia de fazer sua saia com as lindas penas de Levi. E toda
noite lá se arrastava a cobra até o quintal. Sorrateira e silenciosa ia até a
árvore de Levi para arrancar-lhe uma peninha. Levi acordava assustado, mas na
escuridão não conseguia enxergar quem era o astuto assaltante de penas.
Noite após noite a cobra fez o mesmo percurso. Dia após dia
uma pena foi arrematada na outra, tornando vivo o sonho imaginado.
Já o Levi, coitado, cada vez mais despenado, foi se
entregando a tristeza. Nem mais as flores da roseira lhe faziam festa aos
olhos. E o quintal do Juca acabou sendo esquecido mesmo pelo
tempo como pensaram muitos. Só que o tempo não se esqueceu da cobra. Como velho amigo dela, bateu-lhe um dia na porta e disse: “sonhos não se roubam”. A cobra imediatamente ensimesmou e chorou um choro de cobra, um choro sem lágrimas. No mesmo dia lá correu a cobra até o
quintal de Juca. Chegou taciturna na árvore torta, onde estava Levi, já quase
esquecido pelo tempo. Perguntou-lhe se
sabia porque as penas lhe andavam tão escassas. Levi disse não saber. Imaginava
estar doente, mas suspeitava que a noite um bicho qualquer, bobo mesmo,
andava a lhe arrancar penas. A cobra perguntou por qual motivo o bicho era
bobo. Levi lhe disse: “bobo porque mal sabe o bicho que no entrar da primavera
há a troca de penas. Elas caem naturalmente aos montes.” Levi disse à cobra que
não conseguia entender porque alguém precisava roubar algo que se dava de
graça. Dessa vez, a cobra chorou um choro de gente, um choro com lágrimas. Em
seguida disse a Levi: “sabe, Levi, você é um bicho bonito demais. Não é justo
roubarem sua cor. Pode deixar que a partir de hoje passo a te guardar de noite.
Peço-te em troca que me avise sobre a fase da troca de penas. É que sonho em
ter uma saia de penas coloridas para a
festa da primavera. É um sonho muito antigo.” Levi, docemente, assentiu com o
pedido.
Dali pra frente, Levi e a cobra nunca mais se separaram. Não
houve primavera que a cobra não tenha usado uma saia de penas caídas
naturalmente de Levi. Não houve primavera em que Levi não tenha adornado sua árvore tortinha com as
pétalas caídas das roseiras. Não houve
primavera em que Levi e a Cobra não tenham dançado, embalados pelo amigo tempo, que
um dia quase quis esquecer o quintal do Juca.
"Desejos nao são coisas pra se guardar na gaveta" é a pena (já caída) que pego de vc hoje...
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