Foi uma semana de ventos frios e velozes,
que por coincidência ou não fizeram do meu tempo uma corrida de gazelas. Já o
sábado entrou curiosamente morno. Na estação de trem pude sentir assim as
horas, os minutos, os segundos um bocadinho mais meus. Ali não mais me importava onde o comboio me
levaria. Bastava a sensação de estar sentada ao lado de um senhor, cujos
pensamentos pareciam mais longes que os meus. No meu imaginário eu
experimentava a impressão vagarosa que aquela Lisboa me pertencera em algum
passado. Toda aquela gente mais velha, as muitas ladeiras, o Tejo azul, a pouca
fartura de gerúndios, o ar melancólico eram massas de alguns tijolos da minha
alma. E o que eu pedi ali, sentada naquela estação de comboio, era que eu
apenas eternizasse.
Coincidência ou não foi, depois
de sentir tudo isso, abrir o livro esquecido há uma semana e encontrar o
seguinte: “Nunca gostei de aeroportos. Tão cheios de gente, tão sem ninguém.
Prefiro as estações de comboio, onde sobra tempo para lágrimas e para acenar
lenços. Os comboios arrancam lentos, suspirantes, arrependidos de partir. Já o
avião tem pressas que não são humanas. E a lenda da minha mãe perde razão
quando contemplo os aviões que se lançam pelos ares. Afinal, nem tudo é tão
lento no infinito firmamento. (Mia Couto)“
Vc falou em eternizar, mas, lendo o seu texto, e lembrando de vc me contando desse momento, o que vem na minha cabeça é "mimetizar". A impressão que tenho é que ali naquela hora vc queria mesmo era virar aquela estação, se tornar aquele trem, evaporar no caldo quente do ar, virar pensamento do senhor ao lado, dissolver-se nessa tristeza digna, que já se resolveu, que imagino ser a do português. É, pensando bem, acho que isso é desejo de eternidade mesmo... (;
ResponderExcluirQue poesia o que você escreveu Bia! Olha o que eu achei no livro da Inês Pedrosa que comprei lá, em Lisboa: "O vento de Lisboa ri-se da compostura dos humanos. O vento de Lisboa ri-se no meio do choro da chuva. (...) Digam o que disserem, a luz de Lisboa só é especial quando chove. Com sol, qualquer cidade é bonita - é como a juventude nas mulheres. Difícil é manter o halo da beleza quando a cinza cobre tudo. É esta a dificuldade que Lisboa ultrapassa, como se nada fosse."
ResponderExcluirLindo! Quero ler de novo Inês Pedrosa. Aliás, nunca acabei o "Fazes-me falta". Será agora!
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