Foi-se a casa do meu avô Adérito.
Ruiu com a morte dele na lógica do tempo que segue, que não para. Sorte é que a
memória não obedece à ordem cronológica do tempo e consegue fazer viver em nós
um pouco do passado morto.
Assim, na minha memória, ficou o
olhar de uma Mariana criança que enxergava uma casa grande em Belo Horizonte,
num bairro com sensação de interior. Era a casa do meu avó Adérito. Lá eu percorria alguns cantos que considerava
meus. Gostava de um tal bar que ficava num enorme salão. Chamavam-me atenção os
espelhos dele e os tons misturados. Bar que pra mim combinava demais com os
sofás grandes apoiados sobre pés de madeiras delicados. Eu achava aquilo tudo
tão chique, que pensei muitas vezes que queria aquela sala pra mim.
A melhor parte era passar pela
cozinha, sentir o cheiro do feijão da Dercília e descer a escada que dava para o
quintal. Batia uma sensação forte quando eu via uma mangueira solitária no
centro do quintal. Ela era enorme e dava uma sombra engraçada. Eu gostava de
andar por ali e ficava intrigada como uma mangueira podia estar cercada por
concretos. As raízes dela quebravam o cimento do chão. Era confuso! Um tanto de
cinza no meio do verde. E a vida me ensinou que é assim mesmo, tudo meio verde,
meio cinza.
Ficava curiosa demais com dois
quartos que ficavam também no quintal. Um era o da Dercília, que trabalhava na casa.
O outro era o do meu tio Zé Carlos, homem manso, que sempre ajeitou os belos cabelos
lisos com os dedos das mãos.
O quarto da Dercília chegava a ser
quase caricato. Bem arrumado, pra não dizer impecável e decorado com “posters”
de revistas nas paredes. Não me lembro bem quem eram os artistas e cantores,
mas do “Gilliard” nunca me esqueci. E havia uma mesinha com maquiagens de tons
fortes, onde se destacavam batons carmins. Confesso que sentia vontade de lambuzar a boca com
aqueles batons. Dercília tinha ares de mulher entregue ao amor pungente.
E no quarto do meu Tio... Ha, eu
adorava aquilo lá. Era espaçoso e com um monte de livros e discos. Eu sonhava ter
um lugar assim quando crescesse. E não é que hoje, crescida, gosto de casa com
música e livros!
Era gostoso também me pendurar
nos portões da frente da casa, porque eram bem baixos. Via fotos do meu pai por
ali quando criança e adolescente e me punha a imaginar o tanto e como a vida
dele correu por entre aquele lugar.
Meu consolo pra essa casa que só
existe na minha memória é que também vou ter uma casa com uma mangueira. E espero
que ela venha a existir na memória de alguém que, como eu, gosta de guardar
pedaçinhos do passado. Afinal, passados bem guardados não passam!